JURISPRUDÊNCIA DO DIREITO HOMOAFETIVO

A HOMOSSEXUALIDADE NA JUSTIÇA

Diante do silêncio do legislador, é a jurisprudência a mais importante ferramenta para assegurar a homossexuais e transsexuais o exercício de cidadania. Os avanços são muitos, mas é enorme a dificuldade de acesso aos julgados que sinalizam os progressos que o direito à livre orientação sexual vem alcançando na Justiça. Daí a necessidade de formar uma grande rede de informações e disponibilizar as vitórias já obtidas pela população LGBT. Com certeza este é um compromisso de todos que acreditam na necessidade de construir o direito homoafetivo como um novo ramo do Direito. Mas, é indispensável coragem de ousar, única forma de consolidar conquistas.

                                                                                Maria Berenice Dias

Direito Homoafetivo na Justiça

www.direitohomoafetivo.com.br

Toda temática relativa à sexualidade parece ser revestida de uma certa “aura de silêncio”, provocando intensas inquietações e uma quase insaciável curiosidade. Acaba por existir a propensão de conduzir e de controlar o exercício da sexualidade, culminando com a tentação de a sociedade enxergar a moral puramente em termos de comportamento sexual. Note-se, porém, que a homossexualidade é atualmente, por muitos, vislumbrada como uma parte da personalidade de alguém, algo inerente à sua pessoa – como ter olhos verdes ou azuis, ser destro ou canhoto, etc.  A identidade sexual deve ser vista como uma chave central para o livre desenvolvimento da personalidade humana e a orientação sexual não é um problema de escolha, opção, mas algo que está nas “profundas raízes da sexualidade humana”.

Fugindo-se dos dogmas enraizados na sociedade, se pode afirmar que o estágio atual da estrutura social traduz-se em uma modernidade líquida. Assim, diferentes maneiras mas de expressar e vivenciar o afeto, distintas formas de compartilhamento de vida emergem e demandam reconhecimento jurídico e da coletividade.

Assim, surge o questionamento: para que servem as leis?  Indubitavelmente servem para reger a vida em sociedade. Isso é algo inquestionável. Mas, certamente, sua finalidade mais significativa é assegurar o tão propalado princípio da igualdade. Ou seja, a lei é indispensável para proteger os segmentos mais vulneráveis. Talvez seja este o seu escopo maior.

Todavia, não atentam os legisladores para esta responsabilidade manifesta, ao se omitirem de criar regras que, se destinem a inserir no âmbito da tutela jurídica quem é alvo da exclusão social.

Por um período incalculável, a homoafetividade foi estigmatizada, restando os homossexuais e os transexuais marginalizados, confinados num “universo paralelo”. Entretanto, nos últimos tempos a sociedade vem se mostrando um tanto mais tolerante e, paulatinamente, vem modificando a sua forma de encarar as relações entre iguais. Destarte, os homossexuais começaram a adquirir visibilidade no mundo hodierno e passaram a buscar justiça. Infelizmente, a postura omissiva de quem tem o dever de fazer leis é histórica. É suficiente relembrar o calvário sofrido para que o divórcio fosse inserido no sistema jurídico. Não obstante o reclamo social, passaram-se 27 anos para que o Congresso Nacional acabasse com a indissolubilidade do matrimônio. Tal fato também se deu com as uniões extramatrimoniais e a filiação catalogada de ilegítima. Falsos moralismos e preconceitos infundados impediam o seu reconhecimento.

            Ainda bem que o silêncio do legislador não cala a Justiça. De há muito vêm os magistrados reconhecendo que a falta de leis não significa ausência de direitos, Assim acaba a jurisprudência tamponando as lacunas da lei e ditando pautas de conduta, que passam a guiar a vida em sociedade.

             A atividade – legiferante – que deveria ser exercida pelo Legislativo, acaba sendo preenchida pela jurisprudência. Não poderia ser diferente! Como já dizia Norberto Bobbio, o sistema jurídico deve ser vislumbrado como “a visão da floresta, não da árvore isolada de seu contexto todo”. O jusfilófo italiano também já nos relembrava que é é lícito integrar uma “norma deficiente”, socorrendo-se do denominado “espírito do sistema, mesmo indo de encontro àquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal”. Esse juízo nada mais é do que a aplicação dos ditames do art. 4º da nossa Lei de Introdução ao Código Civil. Assim, em face da enorme dificuldade de cometer injustiça, a justiça avança, construindo novos paradigmas. Mas a via judicial é demorada, quer porque a jurisprudência custa a se consolidar, quer porque as decisões, ainda que reiteradas, não têm efeito vinculante.

É imperioso dizer que os avanços, não suprem o direito à segurança jurídica que só a lei outorga, em especial no Brasil onde a norma escrita é incrivelmente prestigiada. Destarte, existe a factual e urgente necessidade de buscar a introdução da regulação das uniões entre pessoas do mesmo sexo – em todas as suas vertentes, com todos os seus direitos, deveres e consequências – no sistema jurídico brasileiro. O silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta alguns dos mais elementares direitos, como o direito à cidadania e à dignidade, base de qualquer Estado que se diga Democrático de Direito.

Para a cristalização dos vetores ditados pelo judiciário há ainda outra barreira que se mostra quase intransponível: a inacessibilidade dos julgamentos e a ausência de prestígio das decisões de primeiro grau. Apesar de todo o avanço tecnológico existente na sociedade moderna, a busca pela jurisprudência é uma tarefa  praticamente irrealizável Seja pela falta de um sistema de informação unificado, seja pela má qualidade dos servidores dos tribunais, as pesquisas são inviáveis e, no mais das vezes, mal sucedidas.

Por mais inacreditável que possa parecer não há como saber como julgam todos tribunais brasileiros. As tentativas são frustrantes e exasperantes, e os resultados, na maioria dos sites dos tribunais, são nulos.

            No tocante às questões de direito das famílias, então, as dificuldades só se intensificam. Sob a equivocada, falaciosa e transponível alegação de que as demandas tramitam em segredo de justiça, as decisões simplesmente não são disponibilizadas. Um singelo ato, como a exclusão do nome das partes se faz suficiente para preservar eficazmente as identidades e privacidade das mesmas.    

Todos estes percalços serviram de força motriz para a construção de uma ferramenta poderosa de busca e acesso a material relativo à homoafetividade e transexualidade: http://www.direitohomoafetivo.com.br. Indispensável saber tudo o que a justiça já assegurou a homossexuais e transexuais. Trata-se de um projeto arrojado, cujo trabalho foi árduo e contou com a colaboração entusiasmada de muita gente. Os resultados foram surpreendentes. Basta atentar que já no ano de 1980 foi deferida a troca de nome de transexuais e desde 1989 a justiça federal concede direito previdenciário a parceiros do mesmo sexo. Mas há mais, muito mais. Data do ano de 1998 a primeira sentença deferindo a adoção homoparental. O surpreendente é que há decisões de todos os Estados, já chegando a mil o número de sentenças e acórdãos no banco de dados

Não foram olvidados os projetos de leis em tramitação, as normatizações existentes, além de exaustivo levantamento bibliográfico tanto nacional como internacional.

A preocupação com a regulação das uniões homoafetivas integra a agenda do pensamento jurídico mundial. Hoje, muitos países do mundo deixaram “cair a venda” outrora existente para ignorar os vínculos homoafetivos, e devem nos servir de exemplo. Assim, igualmente estão disponíveis a legislação e a jurisprudência estrangeiras mais emblemáticas.

 A razão de ser de todo este trabalho não é só capacitar os profissionais a trabalharem com este novo ramo do direito. É muito mais consolidar as conquistas e mostrar que o Judiciário não é cega e tem coragem de fazer justiça. E esse anseio de justiça se conecta com a busca da felicidade, interligada com o reconhecimento de direitos igualitários e da sua dignidade, sem distinções de qualquer natureza.

Maria Berenice Dias

Marianna Chaves

Supremo reconhece União Estável Homoafetiva

Por unanimidade, ministros entendem que casais do mesmo sexo formam uma família

Severino Motta, iG Brasília | 05/05/2011 12:42

Por unanimidade, pelo placar 10 votos a 0, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. A partir de agora, companheiros em relação homoafetiva duradoura e pública terão os mesmos diretos e deveres das famílias formadas por homens e mulheres. Veja os direitos que os homossexuais ganham com a decisão.

Com a equiparação de direitos e deveres de casais heterossexuais e homossexuais, aprovada nesta quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a rotina dos casais gays deve passar por alterações, principalmente para incorporar novos direitos civis.

A decisão do STF faz com que a união homoafetiva seja reconhecida como uma entidade familiar e, portanto, regida pelas mesmas regras que se aplicam à união estável dos casais heterossexuais, conforme previsão do Código Civil (veja abaixo).

O que muda com a decisão do STF hoje

Comunhão parcial de bens >>> Conforme o Código Civil, os parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união estável, declaram-se em regime de comunhão parcial de bens

Pensão alimentícia >>> Assim como nos casos previstos para união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a pedir pensão em caso de separação judicial

Pensões do INSS >>> Hoje, o INSS já concede pensão por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão

 Planos de saúde >>> As empresas de saúde em geral já aceitam parceiros como dependentes ou em planos familiares, mas agora, se houver negação, a Justiça pode ter posição mais rápida

 Políticas públicas >>> Os casais homossexuais tendem a ter mais relevância como alva de políticas públicas e comerciais, embora iniciativas nesse sentido já existam de maneira esparsa

 Imposto de Renda >>> Por entendimento da Receita Federal, os gays já podem declarar seus companheiros como dependentes, mas a decisão ganha maior respaldo Jurídico

 Sucessão >>> Para fins sucessórios, os parceiros ganham os direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem incrementar previsões por contrato civil

Licença-gala >>> Alguns órgãos públicos já concediam licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas

 Adoção >>> A lei atual não impede os homossexuais de adotarem, mas dá preferência a casais, logo, com o entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser facilitada

Um direito que não foi estendido aos casais gays pela corte é o do casamento. “ O casamento exige registro civil e, ás vezes envolve uma aprovação religiosa, se assim decide o casal. Há toda uma formalidade que não existe na união estável”, explica a advogada especialista em direito homoafetivo, Sylvia Maria Mendonça do Amaral.

Antes do julgamento do STF, os homossexuais já podiam registrar sua união em cartório num contrato que estabelece divisão de bens e constata a validade da união. “É uma situação que já existe só falta mesmo regulamentar” afirma a advogada cível Daniella de Almeida e Silva sobre a união homoafetiva.

A presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Adriana Galvão, lembra que até que se edite uma lei que regulamente a união de pessoas do mesmo sexo, os parceiros sempre terão de recorrer à Justiça para fazer valer os seus direitos. “Com a decisão de hoje, porém, os julgamentos tendem a ser mais rápidos e favoráveis aos casais.”

A relação homoafetiva era considerada antes apenas um regime de sociedade no Código Civil. Pela interpretação anterior, o casal homossexual era tratado como tendo uma relação de sociedade, ou seja, se há uma separação, os direitos são equivalentes aos existentes em uma quebra da sociedade.

Por outro lado, a união estável, prevista na Constituição Federal (art. 226, parágrafo terceiro) e no Código Civil (art.1723), é tratada como uma entidade familiar e, por isso, regida pelo direito da família. É essa nova interpretação que se estende aos casais gays pela decisão do STF de hoje.

Relação pública, duradoura e contínua

Agora, para ser considerada uma união estável, assim como para os casais heterossexuais, serão necessários alguns requisitos. Não há um prazo mínimo de convivência, mas a relação precisa ser uma convivência pública, duradoura, contínua, ter a característica de lealdade e com a intenção de se constituir família, segundo o próprio Código Civil.

Com a decisão do STF, estende-se à união homoafetiva 112 direitos que até então eram exclusivos dos casais heterossexuais que vivem juntos, segundo a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Maria Berenice Dias, maior expoente de defesa aos direitos homoafetivos no Brasil.

Muitos desses 112 direitos, porém, já vinham sendo garantidos por outros tribunais em casos isolados e até mesmo por órgãos do governo. Desde o ano passado, por exemplo, a Previdência Social passou a conceder ao parceiro gay a pensão por morte e permitir a declaração conjunta do imposto de renda. Assim como a Receita Federal, neste ano, passou a aceitar declarações conjuntas de gays.

No entanto, algumas instituições ainda negam o reconhecimento da relação homossexual como entidade familiar. No ano passado, um clube de São Paulo recusou como sócio o companheiro de um gay.

Mas alguns órgãos da administração pública já permite que o parceiro de um funcionário homossexual contasse com benefícios de dependente. Esse é o caso do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que propôs uma das ações julgadas hoje pelo STF. Há uma lei estadual para garantir benefícios previdenciários aos parceiros de servidores públicos homossexuais, mas o Estado tinha dificuldades para aplicá – La. Atualmente, o Senado tem em debate a concessão de licença-gala a gays.

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/stf+retoma+julgamento+sobre+direitos+de+casais+homossexuais/n1300151572835.html

 

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O LEGADO DE JESUS PARA TODAS AS MULHERES

Na época de Jesus a mulher não era mais do que uma propriedade do seu marido. Este possuía servos, propriedades e a mulher. Ela era considerada pecadora e mentirosa por natureza. Seu testemunho em um julgamento era considerado de pouco valor.

Após a ressurreição, foi às mulheres que Jesus apareceu primeiro. Elas correram e contaram aos apóstolos. Mas estes não as levaram a sério. Era o testemunho de mulheres, e mulheres eram influenciáveis e pouco confiáveis. Mas Jesus confiava nelas.

Também foi para uma mulher que Jesus primeiro revelou, de modo claro, que era o Messias. Ele escolheu uma mulher, não judia e discriminada, para se revelar. Ele estava na região da Samaria, junto a um poço d’água, quando uma samaritana se aproximou deste poço a fim de retirar água. Jesus pediu a ela um pouco de água.  A mulher ficou surpresa, porque judeus não usavam copos, pratos e talheres que tivessem sido usados pelos Samaritanos ou por pagãos (pois os consideravam impuros). Mas Jesus usava, pois Ele não era prisioneiro dos preconceitos de sua época. Em troca da água Jesus ofereceu seu conhecimento e se revelou o Messias.

O que mais impressiona neste ato é que Jesus lida com a Samaritana sem preconceitos raciais, culturais ou sexuais. Ela é um ser humano, e como tal merece conhecer e viver a palavra de Deus. Jesus reconhece que o que nos separa é o preconceito e que a palavra de Deus não deve ficar prisioneira dos preconceitos. Ela é para TODOS.

Leia a interessante opinião de Aleksandr Mien (A) e depois aprenda um pouco como era a vida das mulheres naqueles tempos (B).

(A) “Para Sócrates, a mulher era um ser estúpido e enfadonho. Buda não permitia nem que seus seguidores olhassem para as mulheres. No mundo pré-cristão, as mulheres quase sempre não passavam de servas mudas, cuja vida só conhecia o trabalho extenuante e as obrigações de casa. Não é à-toa que uma oração judaica dizia: “Agradeço-te, ó Deus, por não me teres feito mulher”…

Foi Cristo quem restituiu à mulher a dignidade humana que lhe fora tirada, o direito de ter exigências espirituais. A partir dele, o lugar da mulher não se limitou mais ao lar doméstico. Por isso, no grupo dos seus seguidores mais íntimos vemos muitas mulheres, principalmente da galiléia. Os Evangelhos transmitiram o nome de algumas delas: Maria Madalena, que Jesus curara de “sete demônios”, Salomé, mãe de João e Tiago, Maria de Cléophas, prima ou irmã da mãe de Jesus, Suzana e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes Antipas. As mais ricas sustentavam a pequena comunidade com seus bens, mas Jesus não queria que o papel delas se restringisse apenas a isso.

Durante visita a Jerusalém, Jesus estreitou amizade com a família de um certo Eleazar, ou Lázaro, que vivia com as irmãs Marta e Maria em Betânia, pequena cidade da periferia da capital. Jesus gostava muito da casa deles, e para lá se retirava freqüentemente, quando queria descansar. Certa vez, estando com eles, Marta andava afobada, preparando algumas coisas para o hóspede, enquanto Maria, sentada aos pés do Mestre, escutava. Após ver isto, a irmã mais velha disse a Jesus:

– Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado sozinha a fazer o serviço? Diz-lhe que me venha ajudar.

– Marta, Marta – disse-lhe Jesus – tu te preocupas e te agitas por muitas coisas. Mas uma coisa só é importante. E Maria escolheu justamente a melhor parte, que não lhe será tirada.

… Mais tarde, na hora da provação, as primeiras mulheres cristãs não abandonarão Jesus, como os discípulos homens. Elas estarão com Ele no Gólgota no momento da morte, acompanharão o seu corpo até o lugar da sepultura, e é a elas que será revelado o mistério da ressurreição em primeiro lugar.

Portanto, o Evangelho rompeu com todas as barreiras que desde sempre dividiam os homens.  …” (do livro: Jesus, Mestre de Nazaré, pág.105,106)

(B) Um pouco de história:

– Uma mulher judia sair de casa sem cobrir a cabeça era considerado ato tão ofensivo ao marido que este tinha o direito de repudiá-la e separar-se dela (sem direito algum para a esposa).

– O homem bem educado jamais poderia se encontrar a sós com uma mulher.

– Se a mulher fosse casada o homem deveria evitar olhá-la ou saudá-la.

– Um pai podia vender sua filha como escrava, após ela ter completado 12 anos. Fato pouco comum, mas que servia para manter a submissão feminina.

– As filhas tinham que ceder os principais lugares para os filhos e, inclusive, permitir que eles passassem primeiro pelas portas das casas. Em muitos lares os filhos eram incentivados a usar sua força contra as filhas a fim de irem aprendendo a dominar as mulheres.

– As mulheres não tinham acesso ao ensino religioso e eram deixadas à parte nos cultos.

Muitas outras opressões existiam contra as mulheres. Imagine a coragem de Jesus ao conversar com elas, instruí-las e tratá-las com dignidade.

JESUS E AS MULHERES: A MULHER NOS EVANGELHOS SINÓTICOS

Odalberto Domingos CasonattoPerfil do Autor:

“Com doutorado em Sagradas Escrituras pela Escola Bíblica de Jerusalem, se dedicou por muitos anos como professor de Novo Testamento no Instituto de Teologia e Pastoral de Passo Fundo, RS, e no Curso de Teologia e Pastoral de Férias. Além disse sempre acompanhou a caminhada dos grupos de Estudos Bíblicos com palestras e Cursos. Se dedica a pesquisa biblica. Rosalir Viebrantz, doutoranda em Educacão pela PUCRS. Trabalhou muitos anos com movimentos de mulheres nas vilas populares de Porto Alegre. Seu trabalho de mestrado, pela UPF, Universidade de Passo Fundo, foi sobre meninos e meninas de Rua da cidade Passo Fundo RS.”

No Antigo Testamento encontramos muitas mulheres exercendo forte liderança. Elas envolviam-se com a defesa, permanência e a formação da consciência do povo hebreu. As mulheres estão presentes onde a vida está fragilizada e ameaçada. O riso de Sara, no livro do Gênesis nos revela sua participação na constituição do povo ao gerar um filho. Os cânticos de Míriam, Débora e Ana revelam a alegria da mulher, fazendo sua parte na história da salvação. Rute é o exemplo de solidariedade da mulher oprimida. As parteiras no Egito, com coragem e astúcia tramam um novo projeto de sociedade.

Nesta nova sociedade a vida deve ser defendida e preservada. Jael e Judite são exemplo de firmeza na luta de resistência. Ester com determinação expõe a própria vida pela salvação de seu povo. A mãe dos macabeus dá testemunho de fé e foi fiel ao Projeto de Javé. Outras grandes profetizas como Débora e Hulda não podemos esquecer. A tradição de fé em Israel tem marcas da atuação feminina. Lá onde a capacidade de resistência do povo parecia se esgotar, sempre aparece uma mulher forte.

O Novo Testamento, não é diferente do Antigo Testamento, quanto a participação feminina na caminhada do Povo de Deus. Encontramos Maria a mãe de Jesus e as outras mulheres, as discípulas que permaneceram com Jesus ao pé da Cruz.

Jesus interfere na ordem da sociedade patriarcal, desperta a potencialidade da mulher, a chama para ser também suas discípulas e isto aconteceu.

Jesus tem outra visão sobre a mulher do seu tempo. Ele altera o relacionamento homem – mulher. Numa sociedade que dava privilégios ao homem Ele procura tirar estes privilégios. Um exemplo podemos citar em Mt.19,7-12, que trata a questão do divórcio.

Jesus apresenta uma outra atitude em relação ao Homem e Mulher, para ele deve existir igualdade entre ambos, nem mais e nem menos.

Nos evangelhos encontramos muitas mulheres que seguiam Jesus desde a Galiléia, e tornaram-se suas discípulas (Mc.15,41; Lc.8,1-13; Lc 8,43-49).

Para Jesus não havia distinção no revelar os seus segredos, ele falava tanto para os homens e mulheres que o seguiam e aceitavam a sua proposta.

A SITUAÇÃO DA MULHER NO JUDAÍSMO NO TEMPO DE JESUS

O Judaísmo segundo suas tradições encara a mulher de uma forma bem diferente do homem.

A constituição familiar no Judaísmo foi sempre patriarcal. Tudo girava em torno das decisões masculinas e ao homem se voltava. A religião judaica tem como rito de iniciação à circuncisão. Este rito é essencialmente masculino.

Existem dentro do Judaísmo alguns princípios que tentam segurar a consistência do ser Judeu. Assim Judeu é aquele que nasce de mãe judia (chamada por eles a “lei do ventre”), não existe outra possibilidade. É portanto, a mãe, não o pai, que determina a identidade judaica do filho; é a mãe a principal responsável pela educação dos filhos, pela manutenção do espírito judaico, da cultura e das tradições familiares. No âmbito da formação do lar judaico a Mãe representa uma peça fundamental.

Esta forma de pensar vem embasada na tradição bíblica, Deus se revela na pessoa humana. Mulher e Homem como pessoas distintas, iguais, livres em comunhão recíproca, desde a criação, representam igualmente a imagem de Deus sobre a terra.

Apesar deste pensamento divino de igualdade entre homem e a mulher no Antigo Testamento já se observa a discriminação da mulher:

– geralmente sem nome, pertencente ao pai;

– depois do casamento propriedade do marido, ele governava como senhor absoluto;

– sem autonomia, não era nem contada entre os habitantes;

– se estéril, era relegada ou substituída, pela escrava;

– sua participação era passiva somente para procriação;

– convivia com a poligamia do marido, sem poder reclamar, pois a poligamia era aceita.

No tempo de Jesus a situação da mulher era desprezível e não foi muito diferente das épocas anteriores.

Vejamos a mulher no judaísmo no contexto: social, político, econômico e religioso.

A participação da mulher na sociedade judaica

A mulher era marginalizada pelo simples fato de ser mulher. Vivia no silêncio e na obscuridade. Não era elencada como partícipe da sociedade. Ela só estava sujeita aos mandamentos da Lei.

O lugar da mulher é na sua própria casa

A mulher devia permanecer em casa, no gineceu (a parte destinada às mulheres).

Às jovens solteiras cabia ainda o pior: “A filha era para o pai uma preocupação secreta, e o cuidado por ela tirava o sono dele..”(Eclo 42,9-14).

A esposa, e as filhas tinham o dever de lavar o rosto, as mãos e os pés do pai.

O homem podia ter várias mulheres, mas a esposa tinha que conviver com as concubinas em sua própria casa. (privilégio dos ricos).

A noiva que tivesse relações com outro homem era considerada como adúltera, podendo ser castigada com a morte e pedradas; se fosse casada, o castigo era de estrangulamento. Para o homem não tinha castigo.

A mulher fora de casa.

Só podiam mostrar-se em público com o rosto velado, coberto com dois véus que não se pudesse distinguir os traços de seu rosto.

Se a mulher saía à rua sem cobrir a cabeça e o rosto ofendia os bons costumes. Por esse motivo o marido tinha o direito e o dever (religioso) de expulsá-la de casa e divorciar-se dela, sem estar obrigado a pagar-lhe o valor contratado no matrimônio;

Se a mulher perdesse seu tempo na rua, falando com outras pessoas, ou mesmo se ficasse na porta de sua casa, podia o marido repudiá-la sem qualquer compensação econômica;

Uma mulher não podia estar sozinha no campo, e um homem não devia conversar com uma estranha (Jo.4,27).

A mulher era vista como superficialidade, sexo, perigo e tratavam de cuidar-se dela.

A participação da mulher na política da sociedade judaica

As leis não protegiam em nada a mulher, ao contrário faziam elas dependerem das leis e estas as escravizavam. Desde o nascimento eram “mal acolhidas”. Passavam a contar apenas como objeto e propriedade de outros. Vejamos: É propriedade do marido, se casada; propriedade do pai, se solteira, propriedade do cunhado solteiro, se viúva sem filhos. Assim pertencendo ao seu dono, não podia dispor dos salários do seu trabalho.

As filhas mulheres só aumentavam o patrimônio do dono, uma vez que podiam ser vendidas, não eram herdeiras. Vendidas por dinheiro, ou por contrato. A mulher pertencia ao seu senhor – marido e tem que assumir todas as tarefas; não pode aproveitar-se nem dos rendimentos do seu trabalho.

Essa pobreza da mulher aparece no relato da viúva que “depositou tudo o que tinha para viver” no tesouro do templo, e eram “duas pequenas moedas”( Mc. 12,41-44).

A mulher também não podia votar. Não participava na vida pública.

A mulher judaica, no tempo de Jesus era em tudo, considerada inferior ao homem.

A participação da mulher na economia da sociedade judaica.

A mulher judaica trabalhava duramente em casa e no campo. Plantava, colhia, moía o trigo, a cevada e outros cereais. Preparava o pão, cozinhava, buscava água nas fontes e poços. Fiava e tecia o linho e a lã para fazer as roupas. Cuidava da família e educava os filhos.

A participação da mulher na religião judaica

Também para a religião oficial a mulher pouco contava.

A mulher judaica não tinha direito ao culto religioso. Tanto no Templo como na Sinagoga a mulher não participava, ficava atrás dos homens ou em lugares separados, em segundo plano, isto é, em lugares inferiores e secundários. Se não houvesse ao menos dez homens judeus, o culto não era celebrado, mesmo que estivessem presentes mais de cem mulheres, pois elas não contavam, por mais numerosas que fossem, pois, eram julgadas impuras, pecadoras, adúlteras enquanto o homem não.

Não tinha obrigações com a lei nem com as rezas diárias. Não eram aptas a pronunciar a ação de graças à mesa, nas refeições, nem qualquer outras orações ou oferecer sacrifícios.

Não precisava participar das festas em Jerusalém. Não precisava rezar três vezes ao dia como todo judeu homem. Todo judeu piedoso elevava a Deus três vezes por dia esta prece: “Eu te bendigo, Senhor nosso Deus, porque não me fizeste mulher”.

A mulher era obrigada a cumprir todas as proibições da lei religiosa e submetida ao rigor da legislação civil e penal, inclusive a pena de morte (Jo 8,1-5).

A mulher sofria discriminação fisiológica, pois era considerada impura nos dias da menstruação. Nesse período , a mulher não só ficava impura, mas tornava impuro tudo o que tocasse. Depois do parto permanecia impura por quarenta dias se a criança fosse varão e o dobro do tempo se fosse mulher. Depois de dar à luz, tinha de oferecer em sacrifício no Templo para serem “purificadas”(Lc. 2,22; Lv. 12,1-8). Não era impureza moral (com um pecado), era uma espécie de tabu.

Quando uma mulher casada perguntava alguma coisa, a resposta deveria ser o mais breve possível. Na presença de hospedes em casa, a mulher não pode participar do banquete. Não pode servir a comida (apenas toma parte no sábado e no banquete da Páscoa). Isso, por que temiam que a mulher ouvisse as conversas e não fosse discreta.

JESUS E AS MULHERES DO SEU TEMPO

Jesus inaugura uma experiência do Reino que recupera as pessoas, restituindo-lhe sua integridade e sua dignidade.

Por atitudes, Jesus estabelece novas características à comunidade: igualdade e participação de homens e mulheres juntos, pois o amor de Deus é para ambos. Jesus se posicionou contrário a opressão e a marginalização da mulher bem como dos outros excluídos (cegos, mudos, leprosos, pecadoras públicas, coxos, paralíticos).

Ele não apenas convive, mas acolhe e promove os desprezados pela religião e pelo governo. Jesus oferece um lugar na convivência humana, acolhe como irmã e irmão aos que eram rotulados e relegados:

imorais: prostitutas e pecadoras (Mt.21,31-32; Mc.2,15; Lc.7,37-50);

hereges: pagãos e samaritanos (Lc.7,2-10; 17,16; Mc.7,24-30);

marginalizados: mulheres, crianças e doentes (Mc.1,32; Mt.8,17; 19,13-15; Lc.8,2);

colaboradores: publicanos e soldados (Lc.18,9-14; 19,1-10);

pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt.5,3; Lc.6,20-24; Mt.11,25-26).

Olhando o Evangelho encontramos muitos textos expressivos que falam da mulher. Na atividade evangelizadora de Jesus a mulher adquire outro patamar, muito diferente do Judaísmo e do Império Romano. Para Jesus a mulher ganha o seu devido valor e toma seu lugar na sociedade. Dois textos nos ajudarão a ver como Jesus recebe a mulher do seu tempo e tenta salvá-la: o caso da mulher pecadora e da viúva:

– A Mulher Pecadora – A gratidão demonstra o perdão (Lc.7,36-50) :

O texto de Lucas Lc 7,36-50, a mulher pecadora, mostra a atitude de Jesus em relação as mulheres de seu tempo.

A mulher pecadora é recebida por Jesus que de maneira humilde suplica e confia na misericórdia de Cristo. Aqui se confirma a fidelidade do serviço, visto a mulher passar à frente do anfitrião (um fariseu) omisso ou que pretenciosamente esqueceu os gestos orientais de boas vindas e cumpre, no lugar dele, os ritos de hospitalidade.

No seu gesto de molhar os pés de Jesus com as lágrimas, secar com os cabelos, cobri-los de beijos e os ungir com o perfume, os presentes, vêem a pecadora (certamente uma prostituta bem conhecida) praticar atos de arrependimento. Mas, dá testemunho, de Jesus, com esse seu gesto de maneira profética. Anuncia a Morte e Ressurreição. As imagens que a narrativa nos apresenta lembram os últimos momentos de Jesus. A dor estampada em suas lágrimas; os cuidados do corpo nos cabelos que enxugam e o envolvem como num sudário; os beijos com que o cobre prefiguram as mulheres que na ressurreição, lançar-se-ão aos pés de Jesus; a unção do perfume evocando tanto o rito fúnebre de sepultamento, quanto a difusão da boa – nova, propagado através do mundo.

Em contrapartida, a cena mostra que o fariseu somente o convida a comer com ele. Mas, a presença de Jesus não altera o seu modo de ser: pouco observa em Jesus; homenageia-o pouco; recebe-o mal, da boca para fora. A pecadora se distingue pela capacidade de comunicação, mesmo sem ser convidada: lágrimas, cabelos, perfume, beijos.

O fariseu é mesquinhez e isolamento. A mulher é o espírito do mundo reconciliado, a fé num Deus de amor.

Conforme os evangelhos podemos constatar a atitude sempre amistosa de Jesus para com todos, especialmente à Mulher. Muitos outros exemplos nos evangelhos mostram o respeito, a consideração e a misericórdia de Jesus para com as mulheres. Elas foram os primeiros não – judeus se tornarem membros do Movimento de Jesus. Foram responsáveis pela extensão deste movimento a não – israelitas.

O texto mostra que para Jesus as mulheres eram as suas seguidoras, como o eram os homens. Para o Reinado de Deus, anunciado por Jesus, todos são convidados: as mulheres e os homens, as prostitutas, os samaritanos e os piedosos fariseus. Ninguém é excluído. A mulher tem a mesma dignidade, categoria e direitos que o homem. Pela participação da mulher no seu grupo Jesus rejeita as leis e costumes discriminatórios que menosprezam essa dignidade, categoria e direitos e, arrisca o seu prestígio e a sua vida em favor da mulher. Esta atitude de Jesus gera uma nova comunidade sobre um novo mandamento: a igualdade, a participação de mulheres e homens juntos, pois Deus ama a todos igualmente.

Jesus afirma: “Muitos que agora são os primeiros, serão os últimos, e muitos que agora são os últimos, serão os primeiros”(Mc.10,31; Mt.19,30; 20,16), aplica-se também às mulheres e à sua situação de inferioridade nas estruturas dominadas pelos homens, nas estruturas da sociedade patriarcal.

Fazendo a proclamação do Reino para os pobres e fracos, Jesus queria abranger as pobres mulheres judias, e todas as outras, proclamando os direitos dos pobres e a justiça de Deus.

Jesus tem uma proposta em relação a mulher: Ele acaba com as exigências da família patriarcal e constitui uma nova comunidade familiar, comunidade que não inclui os “pais” enquanto se conservassem na estrutura de uma sociedade patriarcal. Na família cristã, marido e mulher, pais e mães, filhos e filhas, irmãos e irmãs são essencialmente filhos de Deus, irmãos em Cristo, próximos.

Essa promoção das mulheres, é um aspecto particular do Evangelho no que tem de mais essencial: a Boa Nova anunciada aos pobres, libertados com prioridade, por Jesus.

Quando Jesus “salva” uma mulher, muitas vezes assim o faz como desafio lançado à grupo dirigente. A inocência que defende, com o apoio do milagre, contesta a legitimidade dos poderes estabelecidos, protesta contra o arbitrário das reprovações coletivas.

– A Viúva de Naim – Deus veio visitar o seu povo (Lc.7,11-17):

Podemos imaginar a cena que aconteceu na época: Jesus com os discípulos e a multidão que o acompanhava estavam se aproximando da porta de entrada da cidade de Naim. Na porta da cidade encontram um grupo de pessoas que vão enterrar um defunto.

A descrição do episódio é rápida: era filho único, e sua mãe era viúva”(7,12). Jesus olhando a cena fica movido de compaixão.

A mulher viúva segundo o Antigo Testamento situava-se em um dos três estados de carência total. Somente uma mulher, talvez, poderia carregar este peso de dor e solidão. A viúva do relato era Judia e mulher: sua vida era a família e a família agora com a perda de seu filho desaparece. O filho da viúva se foi. Esta imagem da viúva destituída de filho é o arquétipo do infortúnio levado ao extremo.

Diante desta imagem do nada Jesus comove-se até as entranhas, conforme diz o texto.   Em meio a tanta gente, Jesus apenas enxerga a solidão: a mãe. Entre todas as mulheres que encontrou, esta é a mais distanciada da esperança, da fé e da oração. E Jesus comove-se, com aquela piedade que a cananéia implorava em vão. Ela precisava da fé e Jesus dá a ordem: “Não chores!” E entregou o filho que se levantou à sua mãe. Hei-la de novo, de fato mãe, e com este filho ao qual lhe é entregue uma infinidade de bens que são a paz, o futuro, o amor, o relacionamento, a dignidade do ser, sua perseverança e o sentido da vida. A mãe ressuscita com o filho.

A mulher é apenas citada, mas permanece o pivô do relato, sóbrio combate em que a fé viva supera a incredulidade do luto.

Vimos o relato de duas figuras de mulheres, emblemáticas do desespero humano. Uma, rejeitada pela lei dos homens: a mulher pecadora, Lc 7,36-50; a segunda, pela perda do marido e do filho: a viúva de Naim.

Estas mulheres não agem por si mesmas. O Evangelho apresenta-as em sua solidão tormentosa, mas o tríplice destino da condenação, da enfermidade e da morte inflama a misericórdia de Cristo.

No Novo Testamento encontramos muitos outros texto que ilustram a nova proposta que Jesus em relação a mulher, lembramos outros:

– A Mulher Encurvada – Lc.13,10-17:

– A Mulher Sírio – Fenícia – Mc.7,24-30; Mt. 15,21-28 :

– A filha de Jairo e a A Mulher Hemorroíssa – Mt.9,18-26; Lc.8,40-56; Mc.5,21-43.

MINISTÉRIO DAS MULHERES

As discípulas de Jesus:-

Jesus criou um movimento novo, rompeu uma série de preconceitos culturais e entre suas inovações está o discipulado feminino. No seu discipulado, eram admitidas mulheres, em igualdade de condições com os homens. Jesus convive com elas, conversa, quer em particular, quer em público, procura escutá-las. elas participam ativamente e são beneficiadas com milagres e curas. Quebra os preconceitos da impureza, deixa-se tocar pela hemorroíssa. Ele mesmo toca o cadáver da filha de Jairo conforme (Mc.5,25-43).

Jesus não se esquiva de ser tachado de imoral e escandaloso, pelos fariseus, enquanto desafia os preceitos legais e entra em casa de mulheres sozinhas, como a de Marta e Maria (Lc.10,38-42).

Outra prática inconcebível para um rabino da época seria ter um grupo de mulheres que abandonassem seus lares para seguí-lo, viajando com Ele (Lc.8,1-3). Mas, a atitude de Jesus, com relação às mulheres é em muitos sentidos inovadora, até mesmo revolucionária.

Para ser discípulo de Jesus precisava: chamado, seguimento, serviço, visão, escuta e missão. As mulheres preenchem esses requisitos e se inserem nessa missão, desde a Galiléia até Jerusalém (Mc. 15,40-41).

Quando Jesus foi preso e condenado, os discípulos fogem. As mulheres arriscaram suas próprias vidas, permaneceram ao pé da cruz, foram ao sepulcro, creram e difundiram a ressurreição. Elas participam, portanto, de todos os fatos e acontecimentos.

Jesus chama as mulheres: no caso do seu discipulado, há um chamado por parte dele, isto é, o mestre toma a iniciativa, costume diferente de outros filósofos e rabinos. Jesus rompe as discriminações e chama os “impuros”, como o publicano Levi, zelotes, como Simeão e mulheres como Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé.

As mulheres com gratuidade e prontidão dão resposta e tem presença marcante no discipulado de Jesus. As mulheres seguiam e serviam Jesus, conforme Mc.15,41. O mesmo Evangelista em 14,3-9 diz que uma mulher anônima unge a cabeça de Jesus com perfume de nardo puro (óleo perfumado, muito caro por causa de sua escassez). Essa era uma prática típica dos profetas, quando ungiam os reis: sinal de que as discípulas perceberam, na convivência com Jesus, o seu messianismo.

Essa mulher é Maria Madalena que foi a primeira a ser enviada para anunciar a Ressurreição, foi a primeira a ser “ordenada” para o serviço da evangelização. Portanto houve mulheres discípulas e apóstolas que exerceram seus ministérios.

Maria Madalena se destacou entre os homens e mulheres que seguiam Jesus rompendo preconceitos, superou barreiras para chegar até Jesus ungido-lhe os pés. Assim, Jesus aprova esse gesto de amor e confirma “em verdade vos digo que, onde quer que venha a ser proclamado o evangelho, a todo mundo, também o que ela fez será contado em sua memória”(Mc.14,9). Ela que padeceu aos pés da Cruz, foi compensada com a Boa Nova da Ressurreição e a anunciou aos onze e a todos os outros (Lc.24,9).

Marta e Maria  foram amigas e discípulas de Jesus, cada uma ao seu modo.

Maria é elogiada pelo próprio Cristo dizendo: “ela escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc.10,42), isto é, porque ficou sentada aos pés do Senhor escutando-lhe a Palavra (Lc.10,39). Era assim que um rabino formava os seus discípulos, sentados aos seus pés, escutando sua palavra. Aqui Jesus aplica essa prática a uma discípula mulher.

Marta, sua irmã, não fica para trás em termos de discipulado. Na morte de Lázaro, ao chegar Jesus, ela corre ao seu encontro e confessa a sua fé e aguarda a atitude de Jesus. O milagre consumado ela sai proclamando para todos. Foi considerada diaconisa.

Marta e Maria representam a acolhida da mulher para com os seus hóspedes onde o próprio Jesus era recebido com alegria e amizade após suas peregrinações e exaustivas pregações.

– MARIA DE NAZARÉ, a Mulher –Quando falamos da mulher, sob o ponto de vista bíblico, temos que falar em Maria: a mulher Maria de Nazaré. Ela viveu num tempo e num espaço, num contexto determinado, inserida em estruturas familiares, sociais, econômicas, políticas e religiosas.

Maria é apresentada como modelo para a mulher cristã. Vive na passagem do Antigo e o Novo Testamento, experimenta o que quer dizer ser mulher no judaísmo patriarcal, ao mesmo tempo que participa e saboreia o gosto da Boa Nova trazida por Jesus. Ela toca na vivência a nova experiência comunitária libertadora que seu Filho inaugura, tratando as mulheres como iguais e integrando-as no projeto salvador do Reino de Deus. Sem deixar de viver, portanto, toda a imensa riqueza do judaísmo e da reflexão de fé de seu povo, Maria é portadora, de uma nova esperança e um novo modo de ser mulher.

Maria é para a mulher uma nova perspectiva de crer, de falar, de esperança e caminhos. Ela não é apresentada como estilo de mulher alienada, passiva e submissa, mas alguém que foi plenamente mulher de seu tempo, integrada na esperança e na luta de seu povo, participando com o melhor de sua força no projeto histórico do Reino de Deus.

Deus criou homem e mulher para a igualdade entre eles. Na pessoa de Maria de Nazaré, Deus fez a plenitude de suas maravilhas. É na carne e na pessoa de uma mulher que a humanidade pode ver, então, sua vocação e seu destino levados a bom termo, a criação chegada à sua meta.  Maria com seu SIM a Deus, disse NÃO a tudo que se opunha ao plano de Deus, deixando assim, às mulheres um exemplo de luta para essa igualdade da criação. Em Maria, as mulheres encontram um reforço e uma ajuda na sua caminhada e na sua dura luta em direção à igualdade e à libertação.

A Mulher na época de Jesus e hoje:

A participação da mulher na sociedade vem sofrendo profundas transformações. A mulher está mais consciente, busca igualdade sem perder o que é próprio seu. Hoje, mais do que nunca, a mulher vai à luta, está se encontrando como agente social, não é mais anônima, dá opinião e age com segurança frente as mais diversas situações. Acredita no que faz, se sente importante. Não age por que alguém está cobrando ou por modismo. Na luta pela igualdade a mulher deve conhecer seus limites, pois não basta ser somente igual em seus direitos ou deveres, não basta mudar a linguagem, é preciso mudar, transformar as relações, as atitudes, a consciência, a mentalidade.

A participação da mulher na sociedade não deve ser encarada como complemento na vida. É preciso ter equilíbrio entre o espaço “público”(trabalho) e o espaço “privado”(o lar, a família).

Hoje é comum, moderno, o uso da linguagem integradora porém, isso não é sinônimo de transformação, pois na realidade, no dia a dia a mulher se depara com os gestos e atitudes opressivas, patriarcais, excludentes.

REFERÊNCIAS

STORNIOLO, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas. Os pobres constroem a nova história. São Paulo: Paulus, 1992.

MEYERS, Carol. As raízes da restrição – As mulheres no Antigo Testamento. Estudos Bíblicos, A mulher na Bíblia, n. 20, Petrópolis, Vozes, 1988, p. 9-26.

JESUS E A LEI

O presente texto “Jesus e a Lei” nos desafiam a pensar em nosso contexto de Leis, fazendo um contraponto com o hoje e o tempo de Jesus. O texto inicia com uma leitura das atitudes de Jesus frente à legislação da Lei de seu tempo e analisa aos seguintes episódios: quem é o próximo e o não próximo; o sistema do culto e do Templo; a observância do Sábado; a lei do puro e do impuro. Isto tudo representava a fundamentação legalista do sistema judaico. No final confirma-se que Jesus rompeu com as velhas normas e propõe a observância da Lei do amor que geram vida.

Podemos nos perguntar: como se portou Jesus frente à Lei e a legislação de seu tempo? Como o cristão deve portar-se frente às leis aprovadas e estabelecidas?

Nos temos a fama de desrespeitar a ordem e a Lei estabelecida. Mas onde está o erro? Não estaria na própria lei que desrespeita o homem, tornando-se instrumento de exploração, joguete de interesses de grupos avaros de riqueza? Como exemplo disto, temos todos os Decretos-Leis, no setor econômico brasileiro. Nas Leis que fixam os coeficientes de inflação, nas que estabelecem os juros bancários etc… Nas leis e normas que orientam a aposentadoria do trabalhador brasileiro. Quantas alterações, emendas, suspensões, criações de novas leis! Sem falar dos nossos políticos que se envolvem em escândalos de corrupção e que durante meses e anos são feitos julgamentos e que no final não se chega à conclusão nenhuma.

Podemos crer que a maneira irônica que Cristo viveu com as Leis de sua época e as reinterpretou é luz no emaranhado de nossa vida. Nós que buscamos um mundo conforme o Plano de Deus.

As Leis geradoras de morte, nas estruturas do tempo de Jesus e a Nova Lei

Jesus viveu na Palestina, dentro do quadro do Império Romano e do Judaísmo. Encontrou estruturas sociais geradoras de morte, tais como o sistema da Lei no Judaísmo e também as Leis econômicas do Império Romano. Para podermos compreender em profundidade as atitudes de Jesus e seus gestos, temos que entender também a situação do homem de seu tempo. Só assim vamos ter a compreensão do posicionamento de Jesus perante a Lei, e o porquê de sua interpretação irônica (muitas vezes) da mesma.

Jesus, em sua época, conseguiu distinguir, de modo claro, as estruturas do seu tempo que sustentavam Leis de morte, daquelas Leis que geravam vida. Perpassando as páginas do Evangelho, encontramos Jesus em constante conflito com os Fariseus, pois eram os guardiões da mais terrível estrutura de morte de sua época.

Entretanto, alguns podem pensar que a dominação do Império Romano pudesse oferecer o maior peso de sofrimento ao povo judeu. Olhando dentro da globalidade da situação, a dominação romana representou apenas uma parcela e nos Evangelhos pouca referência a ela encontramos.

As atitudes de Jesus frente às Leis estabelecidas

Se conferirmos os textos que falam de Jesus perante a lei estabelecida, vamos ver que Jesus a desrespeitou muitas vezes. Esta maneira nova de pensar acerca da Lei criou para Jesus um repúdio dos Fariseus, Saduceus, Sacerdotes, que culminou com a morte na Cruz. Os Fariseus, mestres do Judaísmo, criticavam asperamente as atitudes de Jesus, pois eram um desrespeito a ordem estabelecida.

Poderíamos nos perguntar por que Jesus não atacou diretamente a estrutura geradora de morte do Império Romano, em vez do Judaísmo. De fato, o Império Romano representava a opressão do dominador estrangeiro, mas não era a espinha dorsal do sistema de morte na Palestina. O Judaísmo, fortemente firmado pela ideologia da Lei e do sistema do Puro e do Impuro (interpretada de modo diverso pelos partidos políticos), decretava, de fato, a morte do povo todo que vivia na Palestina.

Cristo percebeu isto, viu onde de fato deveria iniciar o seu trabalho libertador, e tomou as mais variadas atitudes frente a situações diversas, que deixaram os Fariseus atônitos.

A. Quem é o próximo e o não-próximo? O que tem de verdade nesta Lei?

Sério problema causador de morte a Lei que distinguia as pessoas e as classificavam em próximo e não próximo. Os Judeus, apoiados na Lei, desprezavam os Samaritanos por serem impuros, não passavam em seu território para não se tornarem impuros, desprezavam os Galileus, pois seus habitantes casavam-se com mulheres estrangeiras. Natanael diz a Felipe: “De Nazaré, pode sair algo de bom?” (Jo 1,46). Da mesma forma, no Templo, os estrangeiros podiam apenas entrar no átrio dos Gentios e antes da entrada do Templo propriamente dito, dos sacrifícios, existia uma placa condenando à morte os não-judeus que por ali passassem.

Cristo trouxe uma nova interpretação a esta Lei: não existia mais o ‘não-próximo’ e ilustrou a nova doutrina com a parábola do Bom Samaritano, dando uma resposta ao legista que lhe pergunta: “E quem é o meu próximo” (Lc 10,29): 0 próximo é, para todo o homem, aquele de que nos aproximamos, quer necessite de ajuda quer não.

B. Qual é a verdadeira Lei do Culto e do Templo

Mesmo independentemente dos Evangelhos, podemos concluir que Jesus, como Judeu, durante a sua vida, esteve muitas vezes no Templo de Jerusalém, por ocasião das Festas Judaicas. As Leis Judaicas prescrevem três Festas de peregrinação obrigatórias, enumeradas no Código da Aliança (Ex 23,14-20), segundo o calendário agrícola: na primavera, a Festa dos Ázimos (Páscoa); no verão, a Festa da colheita ou Semanas (Dt 16,9); e outra celebrada no outono, a Festa das Tendas ou Colheita dos Frutos. “Três vezes ao ano, toda a população masculina comparecerá diante do Senhor” (Dt 16,16).

Os Evangelhos Sinóticos nos falam que Jesus participou apenas de uma Festa da Páscoa em Jerusalém. Mas o Evangelho de João, mais fiel à cronologia, cita a participação de Jesus em cinco festas na cidade de Jerusalém, durante os três anos de vida pública, sendo três delas da Páscoa (Jo 2,13: 1ª Páscoa; Jo 5,1: Festa de Pentecostes ou das 7 Semanas; Jo 6,4a: 2ª Páscoa; Jo 7,2: Festa dos Tabernáculos; Jo 10,22: Festa da Dedicação; Jo 13,1: 3ª Páscoa). Tudo isto atesta que Jesus era fiel cumpridor das prescrições acerca das peregrinações a Jerusalém.

Mas Jesus toma também certas atitudes que geraram conflitos imediatos com os Sacerdotes, Saduceus e Fariseus. O Evangelho de João nos apresenta, logo no início, a questão dos vendilhões do Templo (Jo 2,13). Era a Festa da Páscoa, Jesus estava em Jerusalém, sentia o sistema de morte que representava o Templo; pois era o centro religioso, econômico e político. Todo o povo pelo menos três vezes ao ano, deveria ir lá para as purificações. 0 Templo centralizava o poder econômico: ali se encontrava o dinheiro recolhido do dízimo, ali estava o tesouro público, ali era o lugar mais seguro da Palestina. Era justamente neste Templo que a discriminação entre as pessoas se fazia sentir. Existiam as classes sociais, os que ditavam e faziam as Leis para o povo. Também no Templo se exercia o poder político: ali funcionava o Sinédrio que, aliado ao Império Romano, governava a povo judaico.

Cristo, no episódio da expulsão dos vendilhões do templo (Jo 2,13-25; Mt 21,12-13; Mc 11,11.15-17; Lc 19,45-46) quer estabelecer uma nova ordem, pretende terminar com uma estrutura que ditava leis de morte ao povo. O fato ocorre na Páscoa para dar sentido de passagem. Lembra assim a saída do Egito, da terra da escravidão, para a terra da promessa. Cristo, destruindo o Templo, estava destruindo de vez o sistema diabólico de manipulação da Lei. Ele mesmo passaria a ser o ‘Templo’ e, daí por diante, não haveria mais necessidade de um lugar material para o culto (Ap 21, 22): é no seu Corpo ressuscitado que Deus manifesta a sua Glória. A identidade do ser cristão se encontra na fé no Senhor Jesus, morto e ressuscitado, e na união da Comunidade dos que tem fé.

C. A Lei da observância do Sábado: Como entender?

A relativização da Lei farisaica chega a um ponto crucial. Jesus realiza trabalhos que não eram permitidos no Sábado. Os Judeus o condenam violentamente. Ele realiza curas no Sábado, trabalho este condenado segundo a casuística farisaica (Mt 12,10; Mc 3,2; Lc 6,7; 14,5; Jo 5,8). Sob os olhos de Jesus, os discípulos colhem espigas de trigo (Mt 12,1-8; Lc 6,1-5; Mc 2,23-28). Jesus, vendo toda esta casuística farisaica, verdadeiro instrumento de escravidão e de morte, toma atitudes inesperadas e provocatórias diante dos Fariseus.

No episódio da observância do Sábado, Cristo redimensiona a Lei. Coloca como o mais importante, o Homem em vez da Lei: “0 Sábado foi feito para o Homem; e não o Homem escravo do Sábado” (Mc 2,27). Esta atitude de Jesus faz com que a longa lista do que era permitido ou proibido fazer no Sábado caia por terra. De agora em diante, é a Lei do Amor que governa as ações do homem.

D. Lei do Puro e Impuro: marginaliza o pobre

Junto com a questão do Sábado, vem a reinterpretação que Jesus faz com as leis farisaicas do puro e impuro. Jesus escandaliza, toca nos leprosos (Mc 1,41; Mt 8,2; Lc 5,12), toca no cadáver do filho da viúva de Naim e o ressuscita. Os seus discípulos escandalizavam os Fariseus, porque comiam e bebiam sem lavar as mãos. Tudo isto que Jesus e seus discípulos faziam, tornava impuras as pessoas. Os Sacerdotes e Fariseus, vendo estas atitudes de Jesus e dos discípulos, os repreendiam severamente. Cristo viu que estas Leis do puro e do impuro eram uma carga pesada demais para o povo. Para tudo, existia uma Lei: o que devia comer ou não, vestir, a distância que podia caminhar no Sábado, ou o que poderia fazer etc. Existiam nada menos que 600 mandamentos.

Em conseqüência de todas estas leis, tornou-se para o pobre um peso insuportável observá-las e, com freqüência, infringia algumas, tornando-se impuros.

Para o pobre em tal situação, existia apenas um caminho: ir ao Templo de Jerusalém, nas Peregrinações, e ali oferecer um sacrifício, uma esmola, para tornar-se novamente puro. O sacerdote era o que recebia estas ofertas, centralizava o poder econômico em torno de si. Só o sacerdote tinha o poder de restituir ao impuro novamente a normalidade da vida. E o caso do leproso que Jesus cura e diz: “Vai mostrar-te ao sacerdote e oferece por tua purificação o que Moises prescreveu, para que lhe sirva de prova” (Mc 1,44).

A Lei do puro e do impuro tornou-se uma opressão insuportável. Cristo percebeu isto, e fazia observações a todo este ritualismo: “o que, de fato, suja o homem não é o que vem de fora, mas o que vem do interior do homem mesmo” (Mt 15,10-20).

A Título de complementações: Qual deve ser nossa atitude frente às leis que orientam nossas vidas?

Até agora constatamos como Jesus agiu perante as leis do seu tempo, como Jesus percebeu que as leis do seu tempo estavam sustentando um sistema de morte e opressão. Ele foi taxativo. Ele foi duro com o sistema do Templo e com o sistema do puro e do impuro, da discriminação da mulher, com o sistema do sábado.

Olhando agora para o nosso momento, estamos convidados a sermos vigilantes, a cobrar de nossos políticos o papel que desempenham de darem a nação leis e normas que possam trazer mais vida a todos indistintamente. Não tem nenhum sentido existirem leis que protejam grupos ou privilegiados de nossa sociedade. Agir desta forma é criar situações de injustiças que clamam aos céus e que cedo ou tarde serão eliminadas.

Leis que decretam a morte de milhões pela miséria e a fome não vêem de Deus. Cristo certamente as condenaria. Ao longo dos Evangelhos encontramos um Jesus que sempre esteve ao lado dos pequenos, mas para dar a eles vida: assim foi o caso da cura de tantos, leprosos, cegos, paralíticos. Jesus promoveu a mulher, (que na sua época era desclassificada) muitas delas se tornaram discípulas inclusive sua Mãe. Jesus indicou com suas atitudes novas formas de vivenciarmos as leis que são estabelecidas e que devem dar vida à humanidade.

A SELEÇÃO DOS EVANGELHOS

Segundo a lista de apóstolos dada no Novo Testamento, Mateus e João foram realmente apóstolos de Jesus. Mas Marcos e Lucas não. Eles foram apresentados nos Atos como colegas de São Paulo. Por outro lado, Tomé, Felipe e Pedro foram listados entre os 12 originais e, mesmo assim, os Evangelhos em seus nomes foram excluídos. Não só isso, mas eles fo­ram sentenciados à destruição e, em todo o mundo Mediterrâneo, as pes­soas enterraram e esconderam cópias dessas obras, junto com o Evange­lho de Maria e inúmeros outros textos, que haviam, de repente, sido decla­rados hereges. Seguindo isso, o Novo Testamento estrategicamente compilado foi assunto de vários editais e emendas, até chegar à versão que conhecemos que foi aprovada pelo Concílio de Trento, no norte da Itália, ainda em 1547.

Apenas recentemente, alguns dos antigos manuscritos foram desenterrados, mas a existência desses livros não era segredo para os historiado­res religiosos. Alguns deles, incluindo o Evangelho de Tomé, o Evangelho dos Egípcios e o Evangelho da Verdade, foram citados nos escritos de antigos sacerdotes, como Clemente de Alexandria, Irineu de Lion e Orígenes de Alexandria. Então, sob qual critério real foi feita a seleção dos Evangelhos? Foi um regulamento totalmente sexista que evitou qualquer coisa que desse apoio ao status das mulheres na Igreja ou na sociedade da comunidade.

A Igreja de Roma era a Igreja Apostólica de São Pedro, e a visão de Pedro ficou muito clara no Evangelho de Tomé, que afirma que Pedro se opunha fortemente à presença de Maria Madalena no séquito de Jesus. O texto afirma, voltando-se para os outros apóstolos: “Simão Pedro disse para eles: Permita que Maria nos deixe, pois as mulheres não são dignas da vida”.

Além disso, já testemunhamos o aparente desagrado de Pedro com respeito ao envolvimento de Maria em outras ocasiões. No Evangelho de Maria, Pedro contesta a relação dela com Jesus, dizendo: “Ele teria falado em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Por que deve­mos mudar de idéia e ouvi-Ia?” De novo, no tratado cóptico de Pistis Sophia, Pedro reclama da participação de Maria e pede a Jesus que a reprima por questionar sua supremacia.

Desde o início da sociedade cristã, no século I, surgiram duas facções distintas. Na posição principal estava o movimento nazareno do irmão de Jesus, Tiago, com Simão Zelote, Felipe, Tomé e Tadeu, junto com Judas, Salomé, Maria Madalena e a família dos Desposyni, a que geralmente eram associados. Depois havia a escola evangélica de Pedro e Paulo (ge­ralmente chamada de movimento paulino), centralizada em Roma. Com o tempo, ela se tornou um “Igrejanismo” em vez do Cristianismo em sua forma original e por fim se sobrepôs à fraternidade nazarena, tornando-se depois a religião oficial do Estado dos imperadores.           

Apesar de Constantino ter manipulado o Cristianismo, transforman­do-o em um híbrido com o culto do Sol e de outras crenças pagãs no século IV, ele não pode ser responsável por toda a extensão da corrupção. Os primeiros protagonistas do que se tornou a Igreja ortodoxa moldaram a religião para se adaptar às suas próprias ambições muito antes da épo­ca de Constantino. Clemente de Alexandria retirou a história de Lázaro do Evangelho de Marcos em cerca de 195 d.C. e Quintus Tertuliano já tinha definido o cenário contra o envolvimento feminino na mesma época, declarando em Mandamentos da Disciplina Eclesiástica:

Não é permitido para uma mulher falar na igreja, não é permi­tido que ela seja batizada, nem que se ofereça à Eucaristia, nem que reivindique para si uma parte de qualquer função masculina, principalmente no oficio sacerdotal.

Nesse aspecto, Tertuliano (um pai da Igreja de Cartago) estava expressando um sentimento geral do movimento paulino – reiterando e des­tacando as opiniões documentadas de seus predecessores, principalmente de Pedro e Paulo.

No Evangelho de Felipe, Maria Madalena é vista como símbolo da sabedoria divina, mas todos esses textos foram extirpados pelos bispos da Igreja em desenvolvimento, porque eles enfraqueciam o domínio do sacer­dócio exclusivamente masculino. De acordo com as epístolas de São Paulo, seu ensinamento foi exposto:

Que a mulher aprenda em silêncio com toda a submissão. Pois não permito que a mulher ensine nem tenha domínio sobre o homem, mas que esteja em silêncio. (1 Timóteo 2:11-12)

Tais diretrizes, junto de outros pronunciamentos similares, foram encontradas na Constituição Apostólica – um longo e abrangente conjunto de regras da Igreja Católica que foi iniciado por São Clemente e concluído pelo bispo Constantino. Eles são chamados de “os mais sagrados de todos os livros canônicos e das leis cristãs”. 

Editais impositivos como esses citados tiveram sucesso na supressão do legado de Maria Madalena. Entretanto, apenas para ter certeza, a Cons­tituição Apostólica realmente foi tão longe a ponto de especificar seu nome, adicionando: “Nosso Mestre e Senhor, o próprio Jesus, quando nos enviou os 12 para serem discípulos das pessoas e das nações, não enviou a lugar algum mulheres para rezar”. Então, citando São Paulo novamente (de 1 Coríntios 11:3), diz: “Pois, se a cabeça da mulher é o homem, não é lógico que o resto do corpo deva governar a cabeça”! 

É perceptível, a partir do texto da Constituição, que, dentro da comunidade nazarena, as mulheres estavam muito envolvidas no clero. Portanto, o documento vai muito além na advertência contra a prática, afirmando que “não há o menor perigo para aqueles que assegurarem isso”, Na discussão sobre o batismo, em particular, a Constituição Apostólica afirma que é “perigoso e herético” para uma mulher atuar nessa ou em qualquer outra função sacerdotal.

Para justificar isso, é explicado que: “se o batismo fosse para ser administrado por mulheres, certamente Nosso Senhor teria sido batizado por sua mãe e não por João”. “Essas mulheres hereges” escreveu Tertuliano, “como são audaciosas! Elas não são modestas. Elas são ousa­das demais para ensinar, para se envolver em discussões”. 

Para termos uma perspectiva geral disso, é preciso ser mencionado que essa forma do Cristianismo da Igreja pré-romana era muito similar à instituição ao estilo judeu. Os seguidores eram, em prática, judeus-cristãos e mantinham muitas idéias tradicionais. Na sociedade dos hebreus, as mulheres nunca eram contadas em menos de dez exigidas para realizar o ser­viço da sinagoga.

O Talmud Palestinian declara: “As palavras do Torá serão destruídas no fogo assim que sejam ensinadas pelas mulheres”. E as mulheres eram, em temos gerais, tratadas como mortais inferiores, com me­nos privilégios que os homens. Deuteronômio 22:23-27 declara, por exemplo, que a virgem que é violada na cidade deveria ser sentenciada à morte porque ela poderia facilmente ter gritado por ajuda!

É com referência a esses assuntos que as idéias socialmente mais equi­libradas e tolerantes da fraternidade nazarena sobre Jesus diferenciavam-se tanto. Havia um grau demarcado de igualdade não encontrado na sociedade rígida judaica ou da posterior judaico-cristã, mas, infelizmente, o Cristianismo romano herdou a perspectiva intolerante daqueles como Tertuliano.

Muitas das mulheres que seguiam os grupos do estilo nazareno foram formalmente declaradas hereges, promovendo um ensinamento baseado na instrução do terapeuta ascético em Qumran. Esses ensinamentos eram voltados para uma base espiritual, enquanto a forma romana do Cristianis­mo era muito materialista e os ensinamentos místicos eram vistos como uma enorme ameaça.

A estratégia de Roma contra as professoras foi que elas deveriam ser consideradas pecadoras e sujeitas à autoridade de São Paulo, que escreveu (em 1 Timóteo 2:13-14): “Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão”.

Por volta do século II d.C., foi iniciado um processo de segregação nas Igrejas cristãs: os homens realizavam o ritual, as mulheres oravam em silêncio. E, no fim do século, até esse nível de envolvimento tinha desapare­cido e a participação das mulheres no culto religioso foi totalmente proibida. Qualquer mulher que participasse das práticas religiosas era denunciada como meretriz e bruxa.

Naquela época, os nazarenos eram impopulares não só com as autoridades romanas, além de muito perturbadas pelos cristãos paulinos ­ principalmente por Irineu, bispo de Lion (nascido em 120 d.C.). Ele as condenou como hereges por afirmarem que Jesus era um homem e não uma origem divina, como era regido pela nova Fé. Na verdade, ele até declarou que Jesus tinha praticado a religião errada, e que ele mesmo erra­va em suas crenças! Irineu escreveu sobre os nazarenos, que ele chamou de ebionites (pobres):

Eles, como o próprio Jesus, bem como os essênios e os zadoques de dois séculos antes, explicam os livros proféti­cos do Antigo Testamento. Eles rejeitam as epístolas paulinas e rejeitam o apóstolo Paulo, chamando-o de um apóstata da lei. Em retaliação, os nazarenos do movimento dos Desposyni denunciaram Paulo como um “renegado e falso apóstolo”, afirmando que seus escri­tos de idolatria deveriam ser todos rejeitados.

Na visão do temor particular da Igreja sobre Maria Madalena, foi produzido um documento extraordinário para ser distribuído entre os orto­doxos. Ele registra qual seria a posição que os bispos davam a Maria dentro do esquema das coisas. Intitulado A Ordem da Igreja Apostólica, ele foi transcrito de uma presumida discussão entre os apóstolos, e declarava (o que os Evangelhos não fazem) que tanto Maria como Marta estavam presentes na Última Ceia. A esse respeito, ele de certa forma destrói parte de seu próprio objetivo ao permitir às mulheres tal prerrogativa – mas ele tinha um objetivo destrutivo bem diferente. Em um trecho do suposto debate, lê-se:

João disse: Quando o Mestre abençoou o pão e a taça e designou-os com as palavras: Isso é meu corpo e meu san­gue, ele não os ofereceu às mulheres que estavam conosco.

Marta disse: “Ele não os ofereceu à Maria, porque ele a viu rindo”.

Com base nesse diálogo imaginário, a Igreja decretou que os primeiros apóstolos tinham decidido que às mulheres não era permitido se torna­rem sacerdotisas porque elas não eram sérias! A essência dessa conversa fabricada foi, então, adotada como uma doutrina formal da Igreja, e Maria Madalena foram, a partir de então, declarada uma descrente desobediente. Mais de 1.600 anos depois, nada tinha mudado muito e, em 1977, o papa Paulo VI decretou que uma mulher não poderia ser sacerdotisa “porque Nosso Senhor era um homem”!

Por toda a determinação da Constituição Apostólica, a aparente antipatia de Pedro e Paulo pelas mulheres foi taticamente utilizada para estabele­cer um ambiente dominado pelos homens, mas as declarações citadas desses homens foram escolhidas com muito cuidado e algumas vezes fora de con­texto.

Apesar do aparente desejo do domínio masculino de São Paulo, suas cartas faziam menções em particular às mulheres que o auxiliavam: Febe, por exemplo, que ele chamava de “serva da Igreja” (Romanos 16:1-2), junto com Júlia (16:15) e Prisca, a Mártir (16:3-4). Na verdade, o Novo Testamento (mesmo em sua forma editada estrategicamente) está repleto de mulheres discípulas, mas os bispos da Igreja romana preferiram ignorar todas elas.

A hierarquia da Igreja tinha tanto medo, que a regra do celibato foi implementada para seus sacerdotes – regra que se tornou lei em 1138 e que persiste até hoje. Entretanto, o que realmente incomodava os bispos não eram as mulheres como tais, nem mesmo a atividade sexual em termos gerais; era a possibilidade da familiaridade sacerdotal com as mulheres.

 Por quê? Porque as mulheres podem se tornar mães, e a própria natureza da maternidade é a perpetuação das linhagens. Isso foi um assunto tabu que, a qualquer custo, tinha de ser separado da imagem básica de Jesus.

Mas não foi como se a Bíblia sugerisse tal fato. Na verdade, foi exatamente o contrário. São Paulo tinha dito, em sua segunda epístola a Timó­teo 3:2-5, que um bispo deveria se casar e ter filhos. Ele explicou que um homem com experiência em sua própria casa está mais qualificado para cuidar da Igreja. E mesmo que os bispos preferissem confirmar as opiniões de Paulo em vez dos ensinamentos de Jesus, eles optaram por ignorar com­pletamente essa diretriz específica, de forma que até a situação marital de Jesus pudesse ser ignorada.

Fonte: O Legado de Madalena – Conspiração da Linhagem

de Jesus e Maria – Revelações sobre o Código Da Vinci

Autor: Laurence Gardner

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Novo Conceito de Família e a Aplicação da Lei nº 11.340/06

Postado em 20. fev, 2008 por João Rodholfo em Direito de Família

RESUMO: Este artigo tem como objetivo demonstrar que as relações familiares mudaram bastante ao longo dos anos, gerando situações que necessitaram e necessitam de proteção especial da legislação para vencer e evitar o surgimento de novas demandas judiciais muitas vezes desnecessárias. Neste contexto, este estudo teve como objetivo principal analisar e verificar as leis, em especial a Maria da Penha (11.340/06), para assim aumentar a proteção aos novos arranjos familiares possibilitando sua plena participação na sociedade. Através da revisão bibliográfica do tema e da pesquisa de documentos, legislações e estudos jurídicos da área os resultados levam entender que a sociedade é mutável e cabe ao direito acompanhar essas mudanças. Demonstrando-se assim, que apesar do expresso reconhecimento constitucional e agora infraconstitucional do novo conceito de família, ainda é necessário a elaboração de regras precisas no que concerne ao casamento homossexual, sucessão por homossexuais e por irmãos afetivos, regras previdenciárias dentre outras

.PALAVRAS-CHAVES: Direito de Família. Família Moderna. Novo Conceito de Família. Família Plural. Família Homoafetiva.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conceituar família é uma tarefa árdua e complexa; já que este instituto tem importância e significado social diferentes para vários povos, sendo cabível destacar ainda que os parâmetros sociais sofrem alterações conforme o momento histórico vivenciado; e baseando-se neste constante movimento ao qual a vida é submetida é que estudiosos devem analisar situações e circunstâncias de ordem variada, refletindo e revendo pontos antes não adotados, procurando soluções concretas para os problemas enfrentados pela sociedade do novo milênio.

Na seara jurídica, um dos ramos que sofreram maiores modificações foi o Direito de Família que passou por reformas no tocante a reconhecimento de filhos, nas modalidades de união, no pátrio poder, nas formas de dissolução do casamento, além é claro de sofrer a mais importante de todas elas: a aplicação dos laços afetivos e suas repercussões nas relações jurídicas. Lugar antes ocupado com destaque pela Teoria Econômica onde a condição financeira era muitas vezes mais importante do que o afeto existente entre os membros da família.

Logicamente, com o passar dos séculos, os rígidos conceitos trazidos do modelo familiar greco-romano e do catolicismo medieval deixaram de ser absolutos e deram lugar a entendimentos sociais mais liberais baseados nos ideais da Revolução Francesa, Industrial e Sexual dos anos 60. Confirmando esse raciocínio Fiúza (2002, p. 796) explica que com o tempo, porém, o patriarcalismo ocidental vê suas estruturas se balançarem, principalmente após as revoluções modernas e a vitória do livre pensar nos países democráticos.

Embora, em alguns pontos, a sociedade continue com a mentalidade machista, o fato é que a mulher passou a exercer um papel cada vez mais ativo dentro do lar familiar; o sustento passou a ser um dever de ambos e os papeis de ativo e passivo se revezam. Isto é, ora manda o homem ora manda a mulher.

No Brasil, muito já se avançou desde adoção do Estado laico. A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes inovações ao ordenamento jurídico nacional, passando a considerar a união estável como unidade familiar entre homem e mulher ou entre qualquer um dos pais e seus descendentes. Com isso, fora dado o ponta pé inicial para a implantação do novo conceito de Família, ou seja, o casamento deixou de ser sua única fonte, dividindo esse status com outros institutos. Logo, essa seara tornou-se fértil para as discussões doutrinárias e legislativas que deram origem a várias legislações especializadas em proteger a família originada em qualquer um dos novos arranjos.

Assim é evidente que foi essa demanda social, encabeçada em parte por homossexuais e mulheres vítimas de violência de vários tipos que fizeram a Ciência do Direito por meio da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) regular situações importantes para a sociedade brasileira, tal como o reconhecimento da União entre pessoas do mesmo sexo expressa no artigo 5º do novo dispositivo legal.

O problema é que em face da novidade da legislação, não se pode afirmar ao certo se o dispositivo recém inaugurado será suficiente para regular, reconhecer e fornecer efetiva proteção a mais essas novas entidades familiares.

2 DA FAMÍLIA CODIFICADA NO ANTIGO CÓDIGO CIVIL

O campo do direito privado sofreu grandes mudanças com o advento da Constituição de 1988, sendo o Direito de Família uma das ramificações mais afetadas, já que foi reconhecido o papel jurídico do afeto, o que irradiou um novo alcance para as normas jurídicas, tornando possível se identificar, também, uma interdisciplinaridade entre as diversas disciplinas que tratam das múltiplas formas de organização familiar, tanto sob o viés dos relacionamentos pessoais entre o casal quanto no que atine a uma nova forma de ver e conceber a filiação.

Nesse sentido vejamos o que nos ensina Pereira (1997, p.43):

O direito privado, em especial o direito privado de família, possui uma vinculação direta e imediata com os valores vigentes e aceitos por uma determinada sociedade em um determinado momento histórico. Talvez, por essa característica peculiar, seja o direito de família o ramo do direito a mais sofrer pressões e a sentir a tensão existente entre o fato social e norma jurídica. Também recai sobre essa área do direito a pretensão de estabelecer e definir legalmente, o que esta fora do dito normatizável, ou seja, o afeto e a sexualidade humana.

Assim, pode-se afirmar que a família legal contemporânea não encontra mais um modelo único para se expressar. Sendo porosa e plural, recebendo e incorporando as modificações ocorridas nos costumes da sociedade brasileira que foram influenciados por fatores de ordem econômica, social e tecnológica. A ordem jurídica pós – oitenta e oito, por meio do artigo 226 da sua lei maior, consagrou novas formas e tipos de famílias trazendo para o meio social a aplicação de princípios de direitos humanos, ou seja, passou a permitir a constituição de unidades familiares que não tem base o casamento tradicional.

As mudanças ocorridas no regime familiar do Código Civil de 1916 para as estruturas contemporâneas foram muitas e significativas, já que foram traduzidos para o texto jurídico valores e conceitos morais que dominavam o cenário social naquele momento, portanto, tal diploma legal não se importou em estabelecer direitos e garantias que visassem respeitar o indivíduo e a existência de cada membro da família; que até tal momento histórico tinha como principais funções a produção e a transmissão de nome e patrimônio.

Outro ponto de exclusão contido no Código Civil anterior era a questão da mulher, subjugada primeiro a vontade do pai e depois a vontade do marido que limitava seu acesso ao mercado de trabalho e a propriedade. Sob esse ponto de vista a família era tida como um compartimento fechado, imutável e eterno que simbolizava a necessidade econômica e a afirmação social do cônjuge varão.

Com o passar dos anos ocorreu não só no Brasil, mas no mundo todo, a industrialização e a urbanização que trouxeram com elas a liberação sexual da mulher e sua progressiva e necessária entrada no mercado de trabalho, o que fez com que caísse por terra o modelo de família patriarcal com um grande número de filhos que normalmente eram usados como força de trabalho. E é dentro desse conceito amplo de família, pensada e tida como uma entidade formada por laços de afeição mútua, que se torna possível investigar as organizações familiares formadas também por homossexuais e por seus filhos. No mesmo sentido, vejamos o que diz Girardi (2005, p.31):

Não há mais como se ignorar que várias são hoje as formas de se viver e realizar em família, tanto que novas codificações civis em vigor desde janeiro de 2003, com base nos novos valores constitucionais, prescrevem o reconhecimento jurídico da pluralidade e liberdade quanto à organização familiar, assegurando tutela à família matrimoni- alizada, à união estável com ou sem filhos e às famílias monoparentais, formados estas por um ascendente e filhos.

A família do Código de 1916 recebia a tutela estatal com a finalidade de perpetuar suas funções no seio da sociedade, funções essas que não tinha relação com os membros que a formavam, já que estes eram apenas componentes com papeis previamente delimitados. Como exemplo, ocupar o papel de pai significava basicamente prover e representar a família no meio externo, e no meio interno sua participação se resumia à imposição de sua vontade sobre a mulher e os filhos.

É curioso que a partir do momento que a mulher se afastou do fogão e do tanque de roupas passando a ocupar lugar no mercado de trabalho, ajudar no sustento do lar e dividir com o homem as decisões relativas ao destino da família; a convivência social e geração de filhos deixaram de ser um dever e passaram ser uma faculdade. Portanto, depois do advento da atual ordem jurídica não há mais possibilidade de se referir a família como uma estrutura formal, permanente e imutável. Vejamos o que ensina Ferreira Filho (1989, p.314) a respeito do artigo 226 da CF/88:

A Constituição ainda vê na família a base da sociedade. No direito anterior, esta família era a constituída pelo casamento, e, até a Emenda n. 9/77, de vinculo indissolúvel. No direito vigente, não só se apegou a indissolubilidade do vinculo como se equiparou a ela a união estável entre homem e mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Desta forma, o reflexo do texto constitucional é uma sociedade que reforça sua preocupação com a família, entretanto, para apreender a nova realidade em que vive teve de ampliar seus conceitos para ao final acolher as diferenças. Assim, no que diz respeito a unidades familiares pode-se dizer que a Constituição não criou um rol taxativo, já que mesmo regulando algumas situações importantes a época de sua promulgação deixou a cargo de legislações infraconstitucionais e da jurisprudência situações como as uniões formadas por avós e netos, irmãos, tios e sobrinhos e é claro a união dos homossexuais.

Bons exemplos das legislações infraconstitucionais que foram influenciadas pela CF/88 e passaram a regular o novo direito de família são: o Estatuto da Infância e Juventude (Lei n. 8.069/90), a Lei sobre a Investigação de Paternidade (Lei 8.560/92), Leis relativas aos Direitos dos Companheiros (Lei 8.560/94 e 9.278/96), o Novo Código Civil e agora a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Essas legislações entram em vigor para fazer valer princípios como o da igualdade e da própria isonomia familiar, tanto na filiação (art. 227, § 6, da CF/88) quando na conjugalidade (art. 226, § 5, da CF/88), assim como a proteção de outras formas de organização familiar que não somente o casamento (art. 226, § 3, da CF/88), sendo que essa constante penetração do direito constitucional sobre a matéria infraconstitucional recebe o nome de fenômeno hermenêutico da constitucionalização do direito civil.

Sobre a constitucionalização do direito privado, vejamos o que diz Bittar (1988, p. 9):

[…] a nível internacional, foram sendo editadas Declarações (1948), de cunho universal ou regional, com a sacramentação de princípios tendentes a balizar a legislação interna dos países aderentes e a obter a uniformização correspondente no plano da defesa dos direitos da pessoa humana, com as posições particulares destacadas da mulher e dos filhos.

A constitucionalização do direito privado, em especial, no tocante à família, presta-se igualmente, como um mecanismo, um meio a possibilitar a penetração e o ingresso das normas constantes dos diplomas internacionais na órbita interna dos países signatários, refletindo um movimento universal de preocupação com a família e com as pessoas do núcleo familiar, não importando uma origem religiosa, econômica e social.

Incorporar princípios de direito público significa outorgar tutela e proteção tanto a entidade familiar em si, como aos membros que a compõem, ou seja, significa o Estado poder interferir nas relações de cunho privado no sentido de restabelecer o equilíbrio da unidade, seja para mantê-la, ou para manter a integridade psicofísica de seus membros; características da repersonalização das relações familiares.

3 REPERSONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES

O movimento que se processou no direito civil brasileiro e que ainda se processa com a promulgação de leis como a Maria da Penha (Lei 11.340/06) é muito especial, já que busca a atualização do Direito no apreender a realidade social que há muito tempo expressava valores diferentes dos normatizados. Contudo, essa mudança de pensamento não é tão recente quando se imagina, autores como Orlando Gomes já criticavam o atraso da legislação em relação ao pensamento social em livros publicados por volta de 1955 afirmando que o processo histórico não flui num só ritmo ao contrario do processo de elaboração legislativa.

Na constante busca pela adequação das normas jurídicas aos costumes sociais, o direito civil de um modo geral vem se afastando de valores patrimonialistas constituídos pela burguesia com o intuito de circular e incorporar riquezas sem se importar com a satisfação individual do ser humano por trás do patrimônio, assim avança o direito no sentido de dar proteção a família, não só proteção patrimonial a ela inerente, mas também assegurando a toda e qualquer pessoa o direito de buscar um sentido intimo e psicofísico para sua existência.

Quanto a esse aspecto no direito de família, Mattos (2000, p. 104-105):

A repersonalização das relações familiares significa sair daquela idéia de patrimônio como orientador da família, onde se forma pela afetividade e não mais exclusivamente pelo vinculo jurídico-formal que une as pessoas. Deve o Direito Civil, cumprir seu verdadeiro papel: regular as relações relevantes das pessoas humanas – colocar o homem no centro das relações civilísticas.

[…] E, gravitando o Direito Civil em torno da pessoa, não há lugar para concepções excludentes de determinados sujeitos de tutela jurídica ou atribuidoras de um tratamento jurídico inferir a eles – já não há espaço para as discriminações de gênero.

[…] Uma das conseqüências praticas de repersonalização vem a ser a nova concepção da família, espelhando a idéia básica da família eudemonista, ou seja, da família direcionada à realização dos indivíduos que a compõe.

A chamada repersonalização do direito de família importa na derrocada da família como um fim em si mesma, ou seja, existe a nova tendência de se privilegiar a pessoa em detrimento a entidade, a família na verdade passou a ser o local para o desenvolvimento dos interesses existenciais e individuais da pessoa humana, favorecendo, assim, o seu pleno desenvolvimento com tal. Pode-se, dessa forma, dizer que o principio da dignidade da pessoa humana encontra na nova entidade familiar solo fecundo para a o desenvolvimento da pessoa, quer ela ocupe o lugar de homem, mulher, filho, filha, pai ou mãe.

E assim sendo, a repersonalização do direito de família busca atender as necessidades concretas e reais do sujeito de direito que a ele se apresenta, importando o cuidado com a diversificação das necessidades pessoais de cada ser humano, no caso, no tocante aos homossexuais, no respeito à diferença quanto ao exercício da sexualidade por ser referir ao feixe de direitos que emanam da personalidade desse sujeito de direito.
Vejamos o que diz Girardi (2005, p.45) sobre a ligação dos direitos a personalidade com a opção sexual:

A retomada dos direitos das personalidades possibilita a eficácia da repersonalização do direito, pois os direitos da personalidade dão um novo sentido para a normativa civil, na medida em que se prestam como mecanismo legal a possibilitar a tutela de parcelas essenciais da personalidade humana, muitas vezes desconsideradas pelo direito, como o foi a questão da realização sexual das pessoas.

Desta feita, o sexo deixou de ter apenas função de procriação para tornar-se uma expressão, uma forma de externar a personalidade humana, passando a ser mais um direito da pessoa onde a satisfação total é fundamental para o cumprimento dos preceitos constitucionais.

4 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE COMO CLÁUSULA GERAL DA TUTELA DA PERSONALIDADE

A Constituição de 1988 é até hoje conhecida como Constituição Cidadã; tal nomenclatura é dada a ela por trazer em suas linhas princípios e regras que fizeram do Estado brasileiro um verdadeiro Estado humanístico, onde a busca pela satisfação das necessidades humanas, inerentes a sua realização pessoal, profissional e social passaram a ser objetivos de toda uma nação.

A preocupação com o bem estar do ser humano, depois chamado de dignidade da pessoa humana, não é mérito apenas do legislador nacional, suas raízes estão profundamente ligadas ao direito natural e na própria doutrina cristã e que se tornaram centro das discussões mundiais logo após os massacres realizados na Segunda Guerra Mundial, sendo efetivado universalmente por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Sobre essa mudança de pensamento, vejamos o que diz Girardi (2005, p.49):

Inserido nesse cenário, o ordenamento constitucional brasileiro também recepcionou o principio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, estabelecendo com isso que a proteção da pessoa humana é pressuposto e fundamento da ordem jurídica nacional, devendo o ser humano, enquanto tal, ser respeitado independentemente de diversos outros atributos, tais como raça, religião, condição social, sexo, idade etc., pelo simples fato de pertencer e integrar a comunidade de seres humanos.

Dessa forma, pela incidência constitucional não sob seu aspecto meramente formal, mas sim seu aspecto concreto e real, tais valores (respeito ao ser humano) passaram a se sobrepor sobre o conjunto do direito civil classicamente conhecido como ramo do direito dedicado a cuidar das esferas privadas do individuo e da sociedade.
A sociedade moderna tem trazido para a apreciação do mundo jurídico situações cada vez mais complexas, que envolvem o direito privado das pessoas e seus limites ante aos interesses de direito público; tais confrontos fortalecem a necessidade de uma maior abrangência da tutela dos direitos de personalidade, o que segundo autores como Gustavo Tepedino (1999, p.45) citando Perlingieri, nem mesmo necessitam de tipificação:

[…] a personalidade humana mostra-se insuscetível de uma recondução a uma relação jurídico-tipo ou a um novelo de direito subjetivos típicos, sendo, ao contrário, valor jurídico a ser tutelado nas múltiplas e renovadas situações em que o homem possa se encontrar a cada dia. Daí resulta que o modelo do direito subjetivo tipificado será necessariamente insuficiente para atender as possíveis situações subjetivas em que a personalidade humana reclame tutela jurídica.

Diante de um processo legislativo lento e com diversas amarras burocráticas a interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana, como cláusula geral dos direitos da personalidade, permite afirmar que à medida que se vai exercendo o principio da centralidade da pessoa, se vai também dando fundamento a uma articulação que liga os direitos personalíssimos historicamente considerados sob a esfera dos direitos privados, dando, assim proteção jurídica a toda e qualquer situação que viole ou ameace violar os múltiplos direitos advindos da personalidade humana.

5 O RECONHECIMENTO LEGAL DO CONCEITO MODERNO DE FAMÍLIA NA LEI MARIA DA PENHA.

A luta por um país mais justo e humano não é um mérito jurídico tão recente, contanto com esforços de organizações internacionais e também de grupos pátrios, no que tange a violência e discriminação contra a mulher, as tentativas de implementação de medidas efetivas datam de 1984, ou seja, a assinatura da Convenção de Belém do Pará [Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Cedaw (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women)].

Inicialmente o referido tratado foi ratificado com reservas, haja vista existir ainda em nosso sistema jurídico diferenças jurídicas gritantes entre homens e mulheres. Porém, em 1994, após a consagração da CF/88 o governo brasileiro retirou as ressalvas estabelecendo de forma definitiva a igualdade entre homens e mulheres, em situações que partiam desde a escolha a escola dos filhos até em que fundo de investimento o casal colocaria suas economias.

Apesar de ter sido previsto a não discriminação, o respeito, a inclusão e a proteção da mulher a transição de um sistema discriminatório e machista para um sistema igualitário e respeitador não foi e ainda não é fácil, na época em que foram retiradas as ressalvas feitas a Convenção de Belém do Pará, não existiam no ordenamento jurídico nacional mecanismos de ordem processual e nem de ordem técnica para efetivar o que havia sido estabelecido pela Constituição pela própria Convenção Internacional.

Nem mesmo a criação dos Juizados Especiais em 1995 foi suficiente para resolver o problema, já que serviu apenas como porta de entrada para o judiciário e não como um sistema completo onde da saída brotasse soluções. Um dos fenômenos sociais resultantes da Lei 9009/95 foi o baixo índice de resolução dos problemas da mulher, a impunidade e a falta de punição concreta aos agressores.

É obvio que a legislação dos juizados tem seus méritos, afinal trouxe agilidade e informalidade a justiça, princípios que devem ser expandidos a todos os ramos do direito, porém do que tangem a resolução dos conflitos de violência familiar e domestica não conseguiu atingir seus objetivos uma vez que quando os agressores eram condenados tinham suas penas substituídas por penas alternativas ou eram condenados a pagar cestas básicas a ofendida que no final se revertiam em prol do próprio agressor.

Tentando avançar internacionalmente e atender os clamores sociais o governo ratificou, em 28 de junho de 2002, do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), que ofereceu a possibilidade de as denúncias individuais serem submetidas ao Comitê.

Esse mecanismo adicional firmado pelo Brasil veio integrar a sistemática de fiscalização e adoção de medidas contra Estados signatários desses acordos internacionais que estejam condescendentes com casos isolados de discriminação e violência contra a mulher. Um desses acontecimentos ganhou repercussão internacional: o caso Maria da Penha Maia Fernandes, que expôs as entranhas do lento processo judicial brasileiro ao mundo.

A partir de então, com as feridas do judiciário à amostra, houve finalmente uma proposta concreta e condizente no Congresso Nacional para que fosse feita uma lei dura e eficaz para a prevenção e repressão da violência domestica e familiar. Assim, no dia 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva a Lei n. 11.340, que:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

Sendo imediatamente apelidada de Maria da Penha em homenagem a mulher que denunciou a lentidão do sistema judiciário nacional por em 29 de maio de 1983, ter sofrido um atentado do seu marido que tentou matá-la com disparos de arma de fogo enquanto a mesma dormia, sendo que procurou encobertar a sua ação alegando que houve uma tentativa de roubo em sua residência.

Após ficar hospitalizada por duas semanas, Maria da Penha retornou ao lar com a seqüela permanente da paraplegia nos seus membros inferiores. Não obstante, seu marido voltou a atentar contra sua vida, tentando eletrocutá-la durante o banho.
Felizmente, Maria da Penha conseguiu sobreviver, mas seu marido ficou impune durante longos 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses, quando, finalmente, veio a ser condenado e preso.

A nova lei seguiu as recomendações internacionais e programou medidas de proteção, prevenção e punição, tais como: como o afastamento do lar, a prisão preventiva, a suspensão de procurações e a proibição de realização de negócios com os bens familiares. Contudo, trouxe também, o reconhecido das relações homossexuais como entidade familiar.

A lei 11.340/06 trouxe ao ordenamento jurídico nacional mecanismos de cunho objetivo e subjetivo para prevenir e repreender a violência contra a mulher no âmbito familiar, doméstico e de relações íntimas; além de trazer para sua tutela os relacionamentos homossexuais há muito discutido e não solucionados. Assim, no que concerne a proteção da mulher, todas sem distinção de raça, credo, classe social e orientação sexual (lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio) usufruirão dos benefícios da Lei Maria da Penha.

Contudo, ao contrário do que se pensa, a Lei em questão não se limitou somente em proteger a mulher agredida independente de sua orientação sexual, foi também a primeira a reconhecer infraconstitucionalmente o conceito moderno de família, traduzindo-o no seu artigo 5º, II, ou seja, a família é a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Caindo definitivamente por terra a idéia de que família na acepção jurídica é apenas aquela formada por enlace sanguíneo ou por casamento, habilitando expressamente o reconhecimento de todos os arranjos não previstos constitucionalmente até mesmo aqueles formados por homossexuais.

É importante frisar que a família como entidade social ultrapassa as barreiras jurídicas e que a partir de agora o afeto dominará as relações que permeiam o tema, devendo o direito reconhecer como tal todo e qualquer grupo que assim se considere.
Para corroborar esse entendimento, vejamos o que diz Alves (2006, id. 9138):

A outra conclusão a que se chega é que esse conceito legal acaba por expressamente reconhecer, no mundo jurídico, a união homossexual (ou homoafetiva). Aliás, a própria Lei Maria da Penha não deixa dúvidas de que é possível considerar a união homoafetiva como entidade familiar ao dispor, no parágrafo único do art. 5o, que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Desde já, ressalte-se que, apesar do referido dispositivo tratar apenas do homossexualismo feminino, é óbvio que, com base no princípio constitucional da igualdade, tal regra também deve ser aplicada ao homossexualismo masculino.

Nesse sentido, todos os projetos de lei que visem o reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares perderão razão de ser, assim como todas as ações que tenham o mesmo objetivo perderam seu objeto jurídico; tendo em vista que a partir de agora o principal vinculo para formação da família é o afeto, ou seja, basta que os sujeitos se considerem assim para serem considerados como tal.

Ainda seguindo a mesma linda de raciocínio fala Dias (2006, id. 8985):

Diante da expressão legal, é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma unidade doméstica, não importando o sexo dos parceiros. Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram entidade familiar. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens.

Basta invocar o princípio da igualdade. A partir da nova definição de entidade familiar, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Ninguém pode continuar sustentando que, em face da omissão legislativa, não é possível emprestar-lhes efeitos jurídicos (…).Diante da definição de entidade familiar, não mais se justifica que o amor entre iguais seja banido do âmbito da proteção jurídica, visto que suas desavenças são reconhecidas como violência doméstica.

É inadmissível que com todas as modernidades surgidas na sociedade e com todos os novos conceitos morais existentes, que operadores do direito tentem excluir da proteção da justiça, porque não do Estado às relações de afeto advindas de organizações familiares não previstas constitucionalmente. O ganho para esses arranjos com a legislação infraconstitucional é imensurável, mas ainda é necessário que novas regras sejam estabelecidas para complementar o que tem sido feito até então.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho procurou-se refletir sobre como a ciência do direito vem concebendo e tratando as novas demandas sociais, que neste caso é representada pelo reconhecimento e proteção dos novos arranjos familiares, bem como a analisar os princípios, os conceitos e os mecanismos legais introduzidos pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), a aptos a contemplar essa problemática.

Assim, a Lei Maria da Penha além de inovar no que tange ao reconhecimento do novo conceito de família, também trouxe ampla proteção à mulher, que passou ser valorizada como cidadã, tendo suas liberdades sexuais, mentais e patrimoniais protegidas por um aparato de mecanismos policiais e judiciais de aplicação imediata e futura. Claro que isso não torna a Lei perfeita, existe pontos de dificuldade, como por exemplo, as argüições de inconstitucionalidade e as dificuldades interpretativas e que podem atrapalhar a efetivação das regras por ela mesma criada.

No que tange aos novos arranjos familiares (avós e netos, tios e sobrinhos, primos e primas etc) todos passam a gozar de proteção e reconhecimento expressos, até mesmo as uniões formadas por homossexuais já que o requisito para a formação de famílias é afetividade, ou seja, a vontade expressa de ficar juntos e de assim se considerar.

Baseado nessas mudanças, aplicar essas regras a situações polemicas como os novos arranjos familiares é uma tarefa difícil, frente à pressão das Igrejas Cristãs e dos ramos mais conservadores da sociedade que pregam a permanência da família como uma unidade fechada, lacrada dependendo para sua formação do casamento e quando muito da união estável, por conseguinte fazer valer essas normas frente a ações de reconhecimento de unidade familiar, sucessórias, de adoção e previdenciária talvez seja mais demorado e dispendioso do que aprovar uma lei com conjunto claro e especifico de regras para evitar interpretações dúbias ou em branco por parte dos operadores do direito.

Não só no caso dos homossexuais é patente o reconhecimento das suas entidades familiares, porém ainda faz-se necessário a regulamentação de situações diversas que são inerentes à própria natureza da família, tais como: filiação, nome e patrimônio. A formação da família hoje, mais do que nunca não se da apenas pelo casamento, no entanto é necessário um conjunto de normas para evitar conflitos sociais em situações polêmicas como o casamento, a união estável e a sucessão entre homossexuais e irmãos afetivos.

É notório que o ordenamento jurídico positivo não tem capacidade para prever todos os casos e inovações que podem surgir ao longo dos anos. Por isso é que sempre se recomendou que ante a impossibilidade de prever todos os casos particulares, o legislador deve fixar princípios e preceitos gerais de amplo alcance, embora precisos e claros. A norma jurídica do direito evoluído caracteriza-se justamente pela generalidade. Não tendo por objeto situações concretas, estabelece um padrão de conduta social, um tipo de relação jurídica que poderá ocorrer não endereçado a ninguém em particular.

7 REFERÊNCIAS

ALVES, Leonardo Barreto Moreira. O reconhecimento legal do conceito moderno de família: o art. 5º, II e parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1225, 8 nov. 2006. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2007.

BITTAR, Carlos Alberto. Novos Rumos do Direito de Família: o direito de família e a Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha

DIAS, Maria Berenice. Violência Doméstica e as Uniões Homoafetivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1185, 29 set. 2006. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2007.

FIUZA, César. Direito civil: completo. 6.ed. rev. Atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 17.ed.rev.atual. São Paulo: Saraiva, 1989.

GIRARDI, Viviane.Famílias Contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Porto Alegre: Livro do Advogado, 2005.

LEMOS, Aline Maria da Rocha. Convivências Homoafetivas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1030, 27 abr. 2006. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2007.

MATTOS, Ana Carla Harmatiuk. As Famílias não fundadas no casamento e a condição feminina. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de Direito Civil. 6.ed.rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha [coord]. Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2001, v.5

1- Artigo Científico apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e em cumprimento às exigências de avaliação do Curso de Pós – Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Faculdade de Ciência Humanas, Letras e Exatas de Rondônia ¬ – FARO.

2- André Fagundes Mendes, Delegado de Polícia Civil, Pós – Graduando em Curso de Pós – Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Faculdade de Ciência Humanas, Letras e Exatas de Rondônia ¬ – FARO. E-mail: afagundesm@hotmail.com

3- Guílber Diniz Barros, Advogado, Pós – Graduando em Curso de Pós – Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Faculdade de Ciência Humanas, Letras e Exatas de Rondônia ¬ – FARO. E-mail: guilber.barros@gmail.com.

4- João Rodholfo Wertz dos Santos. Advogado, Professor Universitário na cadeira e Direito de Família, Pós – Graduando em Livre Docência pela Fundação Getulio Vargas – FGV e Pós – Graduando em Curso de Pós – Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Faculdade de Ciência Humanas, Letras e Exatas de Rondônia ¬ – FARO. E-mail: jrodholfo@gmail.com.

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Uniões Homoafetivas e a Lei Maria da Penha.

Postado em 13. jun, 2008 por João Rodholfo em Direito de Família

RESUMO: Este artigo tem como objetivo demonstrar a evolução social ocorrida nas últimas décadas trazendo uma nova visão de família que se formou no seio da sociedade. O homem como ser puramente social precisa viver em sociedade e o Estado como regulador dessa ordem social precisa prover muitas vezes a prestação da tutela jurisdicional, o que vem gerando grandes controvérsias jurisprudenciais com o objetivo de alcançar o ideal de justiça. Então, de forma análoga, aplica-se a legislação vigente, com destaque a recente Lei Maria da Penha, na busca de não deixar as margens do Poder Judiciário o que deveria estar nele pacificado. Através das informações aqui apresentadas constatou-se a omissão do legislador em regular direitos e deveres que já se encontram consubstanciados no texto constitucional, fundamentados em princípios norteadores das normas infraconstitucionais, tais como o Princípio da Igualdade e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

PALAVRAS- CHAVES: Evolução Social. Constituição Federal. Direito de Família. Uniões Homoafetivas. Lei Maria da Penha.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O legislador constituinte originário através da promulgação da Carta Magna, instituiu o Estado Democrático de Direito, representando dentro do contexto social vivido na época um grande “avanço” nas normas técnicas. No texto firmado, temos princípios que cristalizam direitos e garantias fundamentais ao povo brasileiro, mas que não dirimiram conflitos pré-existentes, principalmente no que diz respeito ao tema ora abordado, as uniões homoafetivas.

Entender as novas entidades familiares formadas no âmago da sociedade, não significa tão somente legislar pela inclusão de novos institutos no ordenamento, mas também cumprir os preceitos constitucionais outrora estabelecidos. As uniões homoafetivas estão tomando forma, de modo que suas características próprias exigem esforço sobremodo maior na inclusão destes sujeitos dentro da dogmática jurídica.
São inúmeras as divergências em relação às estas entidades familiares, existem aqueles que reconhecem a patente necessidade de regulamentação legal e aqueles que, tão somente, ignoram a existência de tal necessidade, seja por questões religiosas ou de ordem “moral”.

Com o advento da Lei 11.340, conhecida por Lei Maria da Penha, temos uma possibilidade de abrangência dessas novas questões, que na prática estão encontrando na referida lei amparo normativo. Resta saber, se este novo dispositivo irá suprir todo o anseio normativo e tutelar essa nova união familiar de modo satisfatório.

2. EVOLUÇÃO SOCIAL

No final dos anos 70 iniciaram os movimentos populares pela redemocratização do país por toda sociedade brasileira, movida e incitada pela Ordem dos Advogados do Brasil, e em 1984 a grande campanha foi às ruas exigindo as “diretas já”. Os principais anseios eram a realização de eleições diretas para Presidência da República e uma nova Constituição, a ser elaborada através da convocação de uma Assembléia Constituinte.
Em 1985 houve as eleições presidenciais através de um colégio eleitoral e a Assembléia Nacional Constituinte foi convocada em 01.02.1987 sob o comando do então Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O constituinte recebeu várias contribuições da população, tentando ao máximo aproximar-se da realidade brasileira. Diversos foram os debates que antecederam a promulgação, visto que, o constituinte não teve como base influências direta de antigos textos constitucionais, o que propiciou um notável avanço, especialmente no direito de família.

Um dos pontos veio lume trata do artigo que concede amparo à família e levou a considerações sobre a necessidade de abertura constitucional deste conceito deixando o caminho para que a própria Constituição pudesse se atualizar pra acompanhar as mudanças sociais. O que gerou uma evolução considerável no que diz respeito a este ramo do Direito.

3. ASPECTOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O processo de democratização vivenciado pela população brasileira no momento que antecedeu a promulgação de 1988 conferiu ao corpo normativo uma quantidade de direitos e garantias aos cidadãos e alterou efetivamente a concepção do Estado brasileiro nos mais diversos aspectos e mudando paradigmas da ordem jurídica que a antecedeu.
O preâmbulo constitucional exprime as principais características do texto normativo: a formação de um Estado Democrático de Direito, garantidor de direitos sociais e individuais, da liberdade, da segurança, do bem-estar do desenvolvimento e da justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Entre os objetivos fundamentas estão à construção de uma sociedade livre justa e solidária, a garantia de desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, e a promoção do bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação. O art.5º da Constituição garante, em seus setenta e sete incisos, os direitos individuais e coletivos. Em meio a todas as mudanças inclui-se a proteção a família. Há no título VIII, da ordem Social, um capitulo destinado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, O Capítulo VII seguindo a tendência de democratização, igualdade, dignidade, pluralismos, abertura e ausência de discriminação.

E o art.226 da Constituição mudou o perfil da família constitucionalmente protegida.
No que tange ao conceito de família, o constituinte não apresentou um conceito do que seria, porém aumentou a abrangência da proteção, ao excluir do caput a menção ao matrimônio, e o transportá-lo para parágrafos, ao lado de outras entidades familiares.
O desafio atual se encontra em reconhecer quais os limites interpretativos do texto constitucional ante a realidade jurídico-social brasileira, para que se possa definir o que é família e quais os modelos de entidades familiares que podem ser objetos de amparo legal, já que a abertura da norma constitucional não significa omissão.

4. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA

Para tanto, é necessário um estudo da mudança paragmática no conceito de família advindo da Constituição, na busca da conformidade com a realidade que a circunda.
Contudo, sabe-se que as características da família sofreram grandes transformações no decorrer do tempo, já foram patriarcais, rurais e patrimoniais. E com o advento da Constituição Federal de 1988 surgiram novas espécies, a saber: matrimonial; não-matrimonial, advinda da União Estável; e a monoparental.

A família com base no afeto e ambiente de realização individual da pessoa é a expressão da família do século XXI, ela se apresenta plural e multifacetária, ao contrário do modelo de família ocidental do século XX. Uma mola propulsora desta mudança foi a busca pela realização do indivíduo. Deixando de se apresentar como uma entidade, que objetiva a procriação e a transmissão de patrimônio, para torna-se o local de busca pela realização do individual do ser humano. A família “passou a ser vivenciada como espaço de afetividade, destinando a realizar os anseios de felicidade de cada um”. (DIAS,M.B.,2003,p.18).

As uniões conjugais, de uma forma geral têm como finalidade constituírem um laço familiar que lhes proporcione assistência afetiva, moral e patrimonial.Dessa forma, o Estado não mais se preocupa somente em proteger a família como instituição, mas também os interesses individuais de cada um dos seus membros enquanto sujeitos de direito. Nesta busca pela consecução da dignidade de cada um dos membros da Família é que se deve analisar o relacionamento afetivo de pessoas do mesmo sexo e enquadrá-lo em um instituto ainda a ser criando pelo constituinte.

Mesmo com toda essa evolução social, a Carta Magna impôs o cumprimento de alguns requisitos para a configuração de união estável e casamento, dentre eles, a diversidade de sexos. Além desse requisito, o casamento tem como característica a possibilidade de concepção de filhos, fato que não poderá ocorrer entre um casal homossexual. Por essas razões a Legislação criou o casamento e a união estável para homens e mulheres e trouxe implicitamente que a união homoafetiva não origina família e nem entidade familiar.

O texto do Código Civil de 2002 acompanhou a norma maior, regulando de forma específica a união estável entre homem e mulher, quando exigiu a diversidade de sexos, deixando mais uma vez de tratar algo patente no meio social, as uniões homoafetivas.

5. LEI MARIA DA PENHA E AS UNIÕES HOMOAFETIVAS

Então, as uniões homoafetivas não foram reguladas pela norma civilista, mas com o advento da Lei Federal n° 11.340 que entrou em vigor em agosto de 2006 temos um avanço positivo em relação a esse novo conceito de entidade familiar. Esta nova lei, conhecida como “Lei Maria da Penha”, criou mecanismos para coibir e previnir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Mas, não só regulamentou a violência no âmbito doméstico como trouxe uma carga ideológica inovadora, pois permitiu uma interpretação de reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo. Foi nesse sentido, que foi dada a redação do seu art.5°, que dispõe:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

O referido dispositivo legal abriu a possibilidade de reconhecimento legal de uma família constituída por um casal homossexual, no presente caso, especificamente o casal composto por mulheres. No que preceitua o inciso II, as uniões homoafetivas são constituídas por vontade expressa, o que as inclui na previsão legal supracitada. Não reconhecer tal aplicabilidade levaria uma mulher vítima de violência familiar pela sua parceira ficar sem a prestação da tutela jurisdicional.

E ainda, nos termos do art. 5º, III, as uniões homoafetivas, entre mulheres, também estão englobadas pela referida lei. Isto ocorre, porque a união homoafetiva também se apresenta como uma relação íntima de afeto.

Ademais, para que não houvesse dúvidas, o parágrafo único do art. 5º de forma expressa assegura que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Desta feita, o legislador tirou qualquer possibilidade de interpretação diversa daquela buscada. Uma interpretação sistemática do inciso II com o parágrafo único do mesmo dispositivo permite afirmar que a lei reconheceu a união homoafetiva entre mulheres, que, por analogia, também haverá de ser aplicado aos casais homossexuais do sexo oposto, ou seja, aos homens.

Buscando evitar o enriquecimento ilícito, alguns julgados deram a essas uniões natureza jurídica de sociedade de fato, gerando efeitos apenas no direito da sucessão e da obrigação. As ações são distribuídas nas Varas Cíveis e não nas Varas de Família. No entanto, várias conquistas têm afastado o reconhecimento dessas uniões como sociedade de fato, por exemplo: a partilha de bens; o direito a alimentos; o direito à sucessão; a possibilidade de adoção; o direito à guarda, entre outros.

Mesmo não existindo proteção legal específica para as uniões homossexuais, tais uniões não são proibidas, logo o que não é proibido é permitido. E na falta de um instituto especifico, alguns Tribunais, além de entenderem que as Varas de Famílias são competentes para discutirem os direitos e deveres dessas uniões, também estão aplicando analogicamente à união homoafetiva os requisitos e os efeitos pessoais e patrimoniais da união estável, para suprir as lacunas da lei, exceto o da diversidade de sexos e da possibilidade da sua conversão em casamento. A utilização da hermenêutica analógica tem como fundamento o artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe:

Art.4°Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

E as decisões são tomadas com base no Princípio da Igualdade e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previstos na Constituição quando proclama que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo que os poderes estatais incentivará o desenvolvimento e respeito das personalidades, não humilhando nem discriminando qualquer ser humano em razão do exercício da sexualidade.
Sobre o Princípio da Igualdade:

O princípio da Igualdade visa, por um lado, propiciar garantia individual contra discriminações e perseguições e, por outro, evitar preconceito. (FONTANELLA, Patrícia.União Homossexual no Direito Brasileiro: enfoque a partir do Garantismo Jurídico. Florianópolis : OAB/SC, 2006, p.18.)

O Estado do Rio Grande do Sul é pioneiro nessa matéria e já admite que os parceiros façam uma declaração extrajudicial em Cartório através de Escritura Pública reconhecendo a união homafetiva e seus efeitos.

As leis ainda não permitiram que a relação homoafetiva ganhe proteção de entidade familiar. Já há vários Tribunais que reconhecem não só a sociedade de fato, regulando os direitos patrimoniais, mas também reconhecendo união estável homoafetiva, caracterizando-a no âmbito familiar.

Diante da impossibilidade legal de equiparação entre casamento e união estável com união homoafetiva, da divergência da lei constitucional e infraconstitucional e da dificuldade de modificá-las, seria interessante criar um novo instituto, seja ou não dentro do Direito de Família, que conceba segurança jurídica, seja na sua concepção, no regime de bens, na sucessão ou nos alimentos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que diante de todos os anseios da sociedade não se pode ignorar que parte da sociedade ainda está atrelada a uma concepção da Igreja, que considera o homossexualismo como pecado, não atentando a necessidade de terem regras, leis que garantam e regulam os direitos e deveres dos que optaram por constituir relações homoafetivas.

E no âmbito específico do direito de família, existem divergências sobre a possibilidade de reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidades familiares. A ausência de previsão constitucional e legal expressa é o principal motivo para a negativa desta possibilidade. Porém, mesmo aqueles que negam o reconhecimento como entidade familiar concordam que a ausência de regulação legal expressa não pode impedir a análise das demandas pelo Poder Judicial, tornando a atividade jurisdicional a primeira a buscar solução para a situação.

O tratamento atualmente conferido á União homossexual em muito se assemelha à evolução do tratamento prestado às famílias de fato. Hoje reconhecidas como união de estável. Primeiro se reconhece como sociedade de fato, para que se possa atribuir alguns efeitos patrimoniais, decorrentes do esforço comum. É a volta da Antiga Súmula 380 do STF.
Hoje, a família é entendida sob uma nova visão, como um núcleo de afetividade, portanto, o afeto não está restrito às uniões heterossexuais. Desse modo, os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm uma relação baseada na afetividade, devem ter a merecida pretensão e reconhecimento previstos na Constituição Federal.

Em suma, bastaria analisar a presença dos elementos fundamentais, com a intenção de ter uma vida em comum, com mútua assistência afetiva e patrimonial, fidelidade, durabilidade, continuidade e publicidade. Ou seja, no plano fático, podem-se igualar às uniões de pessoa de sexos diversos. Importa destacar se é possível o reconhecimento jurídico sob o viés constitucional ou a criação de um novo instituto.

7. REFERÊNCIAS

FONTANELLA, Patrícia. União Homossexual no Direito Brasileiro: enfoque a partir do garantismo jurídico. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.

NAHAS, Luciana Faísca. União homossexual. Curitiba: Juruá, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito Civil. Direito de Família.São Paulo:Atlas, 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro.

DIAS, Maria Berenice.União entre homossexuais.O Liberal, Belém, 24 mar. 2008. Disponível em: Acesso em: 05 jun. 2008.

[1] Artigo Científico apresentado como Trabalho para composição da N2 e em cumprimento às exigências de avaliação da Disciplina de Direito Civil do Curso de Direito , sob a orientação do Prof. João Rodholfo Wertz dos Santos.

[2] João Carlos Prado,Estudante – Faculdade de Direito – Uninorte. E-mail: jcprado03@hotmail.com.

[3] Marciley Alexandrina Chaves,Estudante – Faculdade de Direito – Uninorte – Estagiária – Justiça Federal 1ª Região. E-mail: marci_ley@yahoo.com.br.

[4] Poliane Alexandre de Oliveira,Estudante – Faculdade de Direito – Uninorte – Estágiária – Advocacia Geral da União/Acre. E-mail: pollyalexandreac@yahoo.com.br

[5] Walquíria Ortiz Szilagyi, Estudante – Faculdade de Direito – Uninorte – Estagiária – Defensoria Pública do Estado do Acre.E-mail: wal_ortiz@yahoo.com.br.

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Lei Maria da Penha: liberdade, igualdade e discriminação positiva

por Atahualpa Fernandez e Atahualpa Fernandez Bisneto

Todos somos iguales, porque todos tenemos sufrimiento y porque todos deseamos dejar de tenerlo. Lo que hay que hacer es difundir la justicia, pero suprimir tanto como se pueda la injusticia”.

Guen Kelsang Rinden

A Lei nº 11.340/2006 foi promulgada com o claro objetivo de criar mecanismos para “coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”. Temos entendido que a denominada Lei Maria da Penha continua gerando discussões acerca da legitimidade, validade e alcance de seu respectivo conteúdo normativo, tendo em vista o princípio constitucional que assegura igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres.

De um modo geral, parecem ser duas as posições adotadas com relação a essa questão: de um lado, os defensores da tese de que normas destinadas à proteção da mulher foram superadas pelo preceito constitucional que assegura tratamento igualitário entre homens e mulheres, eliminando qualquer tipo de postura discriminatória com base em gênero; de outro lado, e em sentido contrário, os que defendem que a isonomia não é um princípio absoluto e não pode ser aferida sem a concorrência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (por exemplo, de que determinadas normas não cuidariam propriamente da questão de gênero, mas de fatores biossociais que levam à criação de vários dispositivos de proteção da mulher).

Pois bem, esse tipo de discussão põe em evidência um dos mais delicados temas da teoria jurídica contemporânea: a relação entre o direito e a moral e o problema da concorrência e/ou colisão entre princípios jurídicos consagrados na Constituição da República. No caso, uma “contradição” entre o princípio da igualdade, o princípio da liberdade e o princípio que determina ao Estado promover as condições para que a liberdade e a igualdade de todo cidadão sejam reais e efetivas, removendo os obstáculos que impedem ou dificultam sua plenitude[1].

Para entendermos, os princípios são exigências de tipo moral que estabelecem direito e/ou deveres e que, à diferença das leis (que determinam pautas relativamente específicas de conduta), sua estrutura não contém uma previsão de fatos e uma conseqüência jurídica bem definida. Tal característica não somente torna impossível qualquer aplicação isolada de cada um dos princípios consagrados na Constituição, senão que supõe por sua vez uma tarefa de ponderação e harmonização com outros princípios, igualmente válidos e relevantes, capazes de representar em um determinado momento histórico uma fonte de exigências de diferente signo às do princípio eventualmente posto em questão. Dito de outro modo, os princípios têm uma dimensão de peso ou de importância: quando se utilizam para legislar ou resolver uma determinada situação ou conflito social, devem ser ponderados entre si e a solução, sempre condicionada às circunstâncias historicamente concretas, será aquela derivada do peso relativo atribuído a cada um dos princípios concorrentes.

Na hipótese a que nos referimos à concorrência (ou “colisão”) parece ocorrer entre o princípio da igualdade (da não discriminação entre homens e mulheres) e o princípio da liberdade (da mulher), sendo a garantia deste último buscada por meio de mecanismos de discriminação positiva. E os problemas apontados pelos doutrinadores que estimam que a Lei 11.340/2006 é inconstitucional ou alargam seu alcance para além da “proteção da mulher” não resultam, se bem observado, de todo convincente. Para os propósitos deste artigo, nos limitaremos a analisar apenas dois desses problemas.

O primeiro diz respeito a algumas críticas formuladas à mencionada lei, no sentido de que há discriminação porque não se contemplam os casos de violência das mulheres contra os homens. Sejamos sérios. Por certo que existe, mas se nos atemos aos estudos relativos à violência contra os homens, a maioria das agressões é exercida por outros homens e sucedem no âmbito público e em especial em instituições ou em lugares de marcada hierarquia (de dominação) ou sujeitos a parâmetros de acentuadas diferenças ou conflitos intergrupais. Os estudos relativos à violência contra os homens são escassos e os modelos que se aplicam às mulheres não se podem aplicar aos homens porque a natureza da violência é outra[2].

Claro que arbitrar diferentes tipos e medidas penais em função do sexo do agressor pode parecer à primeira vista uma clara transgressão do princípio da igualdade e da não discriminação. Contudo, o ordenamento jurídico está repleto de exemplos que mostram que determinadas agressões em contextos concretos têm certos agravantes. Não é o mesmo planejar um crime com um mês de antecedência que assassinar a alguém em um estado de alienação mental transitória, como tampouco é o mesmo que um grupo de adolescentes brancos, heterossexuais e varões assassine a um jovem homossexual que havia sido previamente objeto de insultos e ameaças racistas e homofóbicas por parte de grupos locais. Por que não tratamos de igual maneira todas as situações? Porque entendemos que a natureza e as motivações que existem detrás de cada um desses atos são especialmente perniciosas e perigosas para a sociedade, e porque refletem uma ideologia racista ou padrões de abusos de autoridade. Ora, a finalidade da lei a que nos referimos é precisamente a de criar mecanismos para coibir e prevenir práticas que, em última instância, resultam dos valores machistas y patriarcais que ainda desvalorizam as mulheres em nossa sociedade. E isso já é um grande e significativo avanço.

A segunda dificuldade apontada diz respeito à presumível “colisão” entre princípios constitucionais gerada pela Lei 11.340/2006; no caso, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade (tal como concebemos a idéia de liberdade[3]). O problema, contudo, é que ambos os princípios se caracterizam por ser o fundamento de toda ordem política democrática. Os dois são conceitos fundamentais para qualquer proposta consistente acerca de questões jurídicas e morais. Assim que parece não haver lugar legítimo para uma contraposição liberdade/igualdade, pois, como se verá em seguida, não somente a igualdade é entendida como reciprocidade na liberdade senão que é em si mesma a garantia da liberdade plena. A igualdade forma parte do desenho institucional de estratégias compensatórias para reparar, na medida em que os fatos sociais assim o exijam, as desigualdades reais e materiais entre os membros de uma comunidade ética. E é do Estado a obrigação, o dever (moral e jurídico), de assegurar a liberdade na igualdade.

Nesse sentido, o argumento de que a Lei nº 11.340/2006 – destinada à proteção da mulher – viola o princípio da igualdade é tão demagogicamente falso como certo é o fato de que a desigualdade real implica, ela mesma, uma falta de liberdade, tanto mais profunda quanto mais dramática seja essa desigualdade. Porque é a falta de igualdade real a que leva à falta de autonomia e liberdade (de decidir, de fazer e ainda de rechaçar e resistir ) daquele que vive com a permissão do outro e dos que ainda não se encontram no “melhor dos mundos possíveis”. E no que se refere à discriminação com base no gênero e à violência no âmbito dessas tão íntimas e pessoais relações familiares, são as mulheres quem ainda vêm padecendo de um profundo, crônico e perversamente dissimulado problema de falta de igualdade e de liberdade, com a conseqüente perda de sua autonomia [4].

Vejamos em que consiste o princípio da igualdade.

A igualdade como “núcleo duro” da justiça

Poucas noções são tão complexas e despertam tantas paixões, consomem tantas energias, provocam tantas controvérsias, e têm tanto impacto em tudo o que os seres humanos valoram como a idéia de justiça. Sócrates, através de Platão, sustentava que a justiça é uma coisa mais preciosa que o ouro e Aristóteles, citando a Eurípides, afirmava que nem a estrela vespertina nem a matutina são tão maravilhosas como a justiça.

Mas o que é a justiça e como realizá-la? Uma virtude das pessoas? A primeira das qualidades das instituições políticas e sociais? O meio entre dois extremos? Uma ideologia da classe dominante? O resultado de um procedimento eqüitativo? O que surge de um processo histórico no qual não se violam direitos fundamentais? Um ideal irracional? Estas perguntas e muitas respostas extremamente divergentes entre si foram dadas por filósofos sérios ao largo de uma extensa história do pensamento dedicado a desvelar esta intuitiva – e igualmente intencional, emotiva e significativa – concepção. A preocupação se centra, basicamente, em analisar um valor que é empregado em muitos tipos de discursos, articulando concepções que permitam justificar ou impugnar os juízos que se formulam nos argumentos que empregam e/ou manipulam o conceito em questão. Invoca-se a justiça nos jogos de crianças e de adultos, apela-se a ela também em contextos conjugais, familiares, laborais, religiosos, enfim, em quase todas as vicissitudes de nosso entorno, essencialmente relacional.

Por certo que ela ocupa um lugar central no discurso moral e é absolutamente distintiva do atual discurso jurídico, em especial quando se trata de julgar o grau de valor com que uma determinada norma pode ser posta em prática e na qual cabe efetuar com ela câmbios para o bem dos homens. E no conjunto dos discursos em que se emitem juízos acerca da justiça a idéia de igualdade parece ocupar sempre uma posição de destaque. Com efeito, desde suas primeiras formulações, a justiça sempre foi associada com a igualdade e, nessa mesma medida, foi evoluindo ao compasso desse princípio ilustrado. No Livro V da Ética a Nicómaco, por exemplo, Aristóteles desenvolveu a sua doutrina da justiça (que ainda hoje representa o ponto de partida de todas as reflexões sérias sobre a questão da justiça) situando a igualdade (proporcional ou geométrica) como o cerne deste valor, isto é, como núcleo básico da justiça [5].

Mas a igualdade não é um fato. Dentro do marco da espécie humana, que estabelece uma grande base de semelhança, os indivíduos não são definitivamente iguais, isto é, a situação de fato não é a igualdade: a evolução nos desenhou desiguais, como mostra às claras o próprio fato do nascimento, que oferece não somente a diversidade de cunho social, senão também a desigualdade em talentos, em condições físicas, em saúde, sexo, etc. Dito de modo mais simples, embora compartamos determinados traços comuns e universais enquanto membros da mesma espécie, dispomos de características individuais ( por exemplo, de padrões de circuitos neuronais, de conexões nervosas ou sinápticas) que nos fazem únicos. O princípio ético-político da igualdade não pode apoiar-se, portanto, em nenhuma característica “material”; é mais bem uma estratégia sócio-adaptativa, uma intuição ou aspiração desenvolvida ao longo de nossa história evolutiva, que passou de aplicar-se a entidades grupais mais reduzidas até englobar a todos os seres humanos (como proclamam, aliás, as mais conhecidas normas acerca dos direitos humanos da atualidade).

A justificação de tal princípio descansa, desde suas origens, no reconhecimento mútuo, dentro de uma determinada comunidade ética, de qualidades comuns valiosas e valores socialmente aceitos e compartidos, os quais representaram uma vantagem seletiva ou adaptativa para uma espécie essencialmente social como a nossa que, de outro modo, não haveria podido prosperar biologicamente. Em realidade, parece razoável sustentar como correta a hipótese de que o “princípio da igualdade” expresse uma intuição ou emoção moral arraigada em nossa arquitetura cognitiva mental: o mais canalha dos homens – inclusive o que agride a uma mulher – sempre reagirá negativamente ante um tratamento desigual no que se refere a sua pessoa.

A regra, portando, é do trato igual, salvo nos casos em que, por azar social (origem de classe, adestramento cultural, etc.) ou azar natural (loteria genética ou neuronal – que inclui a distribuição aleatória de talentos e de habilidades – enfermidades e incapacidades crônicas sobrevindas, etc.), dos quais não somos absolutamente responsáveis, o tratamento desigual esteja objetiva e razoavelmente justificado. Que embora a igualdade constitua o núcleo duro da justiça, não somente não o é da totalidade da justiça, senão que as reais e materiais desigualdades entre os membros de nossa espécie exigem o desenho de estratégias compensatórias para reparar, na medida em que se possa fazer, as desigualdades nas capacidades e características pessoais, assim como as decorrentes da má sorte bruta. A distribuição das dotações sociais e genéticas – como não deixou de advertir John Rawls – correspondem a um ativo comum da sociedade, ainda que somente seja porque é a sociedade quem as premia e valora ou porque somente em seu seio podem ser exercidas.

Por conseguinte, justiça e igualdade não significam, necessariamente, ausência de desníveis e assimetrias, já que os indivíduos são sempre ontologicamente diferentes, mas sim, e muito particularmente, ausência de exploração (ou interferência arbitrária) de uns sobre outros. Daí que tratar como iguais aos indivíduos não necessariamente entranha um trato idêntico: não implica necessariamente, por exemplo, que todos recebam uma porção igual do bem, qualquer que seja que a comunidade política trate de subministrar, senão mais bem a direitos ajustados às diversas condições ( R. Dworkin).

Como recorda Peter Singer, a existência de profundas diferenças entre os seres humanos deve levar a certas diferenças nos direitos a serem atribuídos a uns e outros. Quando se invoca um princípio de equidade (presente na maioria das teorias contemporâneas da justiça) não se está em absoluto pretendendo que deva conduzir a uma identidade absoluta de direitos: da mesma maneira que é absurdo conceder a liberdade de aborto a um homem, o é a pretensão de dar a liberdade a uma mulher para contrair matrimônio, por exemplo, com um porco. É a “consideração” a que deve ser mantida por igual; a consideração que merecem diferentes seres conduz a distintos direitos.

E porque a crença de que os sexos são idênticos acaba por conduzir a certo número de discursos de duvidoso tino e efetividade, desprezando-se o princípio de que a “dignidade” não pode ignorar o fato óbvio da especificidade da condição feminina[6], tem sentido ligar de forma prioritária, no caso da Lei 11.340/2006, a concepção de justiça à idéia de igualdade material. A história recente das teorias da justiça é fundamentalmente a da articulação e do desenvolvimento cada vez mais refinado e sofisticado dessa intuição ou emoção moral inata que parece compartimos com outros primatas não hominídeos[7]. Esta intuição moral ou virtude ilustrada que configura o núcleo duro de justiça, somada às virtudes ilustradas da liberdade e fraternidade, somente são aspectos diferentes da mesma atitude humanista fundamental destinada a garantir o respeito incondicional à dignidade humana.

A liberdade como condição da dignidade humana

Parece razoável começar a tratar o tema da dignidade humana lembrando que a Constituição não é uma mera justaposição de normas, senão um conjunto normativo dotado, ainda que tendencialmente, de unidade e coerência entre seus preceitos ao responder a determinados valores e princípios comuns ordenadores – basicamente os discriminados nos artigos 1º. ao 5º do texto constitucional.

Com normas dessa natureza (com princípios e valores) se inaugura a Constituição da República: constituem as normas basilares da parte dogmática ou substantiva da Constituição e expressam a ordem valorativa que há de presidir o ordenamento jurídico brasileiro na organização dos vínculos sociais relacionais elementares através dos quais os humanos constroem sistemas aprovados de interação e estrutura social.

Há, assim, uma evidente conexão sistemática entre princípios e normas (constitucionais e infraconstitucionais), pois não parece razoável conceber a dignidade humana sem liberdade e igualdade, e estes valores, por sua vez, seriam indignos ou vazios de conteúdo e sentido se não redundassem em favor da dignidade humana. Isto quer dizer que os princípios fundantes da ordem constitucional proclamam um valor humano na medida em que concreta os valores que devem presidir a criação, interpretação e aplicação de todas as demais normas contidas em nosso ordenamento, inclusive as próprias normas constitucionais.

Estes critérios inspiradores do sistema jurídico constituem a base inteira e o fundamento do próprio ordenamento, o qual há de prestar a estes princípios seu sentido próprio em todo e qualquer processo de sua criação legislativa e/ou judicial. Já não se trata de proclamações enfáticas e retóricas reduzidas a princípios programáticos sem nenhum valor normativo, senão de autênticas normas jurídicas, que representam os ideais de uma comunidade e que não esgotam sua virtualidade em seu estrito conteúdo normativa: constituem parâmetros vinculantes para a elaboração, interpretação e aplicação do direito e, ao mesmo tempo, um limite para o próprio ordenamento jurídico.

Nesse contexto, o conceito da dignidade humana não se esgota em uma mera funcionalidade constitucional porque a idéia da livre constituição e pleno desenvolvimento do indivíduo sob o manto de instituições justas (igualitária e fraterna) constitui, ademais, um elemento axiológico objetivo de caráter indisponível que, junto com os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o respeito à lei e aos direitos dos demais, configuram o fundamento último da ordem política e da paz social. A dignidade da pessoa humana não é, portanto, mais uma idéia valorativa dentro do esquema constitucional, senão que expressa um dos fundamentos da ordem estabelecida. A sua colocação na Constituição como princípio normativo fundante e prioritário dota-o de um significado especialmente relevante: como princípio constitucional fundamental, inviolável e indisponível e, como tal, como critério axiológico, normativo, vinculante e irrenunciável da práxis jurídica.

Mas em que consiste este princípio fundamental? Qual o fundamento que subjaz à idéia da dignidade humana? Qual a relação entre dignidade, liberdade e autonomia? Por que se insiste em situar o problema da dignidade em função do homem/mulher singular, encerrado em sua esfera individual e exclusivamente moral? Ou, já que estamos, continua sendo razoável conceber um conceito de dignidade humana, que pretenda ser digno de crédito na atualidade, desvinculado ou que não esteja sustentado em um modelo essencialmente relacional acerca da natureza humana?

Não parece que seja assim. A cristalização de uma existência individual, separada e autônoma – portanto, digna – é coisa muito mais complexa, processual e de grau que a simples e óbvia assunção do princípio da dignidade como uma mera diretriz normativa. A caracterização da dignidade humana leva-nos a admitir que há boas razões para supor como correta a afirmação de que não podemos inferir nada acerca da dignidade humana a partir de enunciados meramente lógico-formais, filosóficos ou normativos. Hoje sabemos que existe algo que denominamos natureza humana, com qualidades e predisposições físicas e morais inatas. Sabemos que algumas propriedades fixas da mente são inatas, que todos os seres humanos possuem certas destrezas e habilidades das que carecem outros animais, que homens e mulheres são distintos e que esse conjunto de traços conforma a condição humana. E hoje sabemos, para além de toda dúvida razoável, que somos o resultado de um processo evolutivo que, para bem ou para mal, há modelado nossa espécie: somos uma espécie inerentemente ética e social.

Trata-se de uma postura que tende a conceber a dignidade como um epifenômeno da natureza humana[8], a partir da situação básica de relação do homem com os outros homens, em lugar de fazê-lo em função do homem singular encerrado em sua esfera individual e que havia servido às caracterizações deste valor para a construção do Estado liberal. Esta dimensão intersubjetiva (relacional, co-existencial) da dignidade é de suma transcendência para calibrar o sentido e o alcance atual dos princípios constitucionais, dos direitos humanos e fundamentais que encontram nela (na dignidade) seu fundamento primeiro [9]. É esse sentido relacional de dignidade humana o que deve estar vinculado a um direito destinado a favorecer a liberdade e a autonomia da pessoa. E não se trata de um problema de pouca importância, de um mero exercício mental para filósofos acadêmicos e juristas. A eleição do modo de abordar o problema da dignidade humana supõe uma grande e importante diferença na forma em que vemos a nós mesmos como espécie, estabelece uma medida para a legitimidade e a autoridade do direito e dos enunciados normativos, e determina, em última instância, a direção e o sentido de todo e qualquer discurso jurídico, moral e/ou político.

Ademais, uma idéia de dignidade fundada em uma teoria robusta da natureza humana leva-nos a adotar como premissa um modelo de direito sustentado, entre outras coisas, em uma moral de respeito mútuo, quer dizer, de que somos nós mesmos os que outorgamos direitos morais a todo ser humano. Não há, pois, direitos que não sejam outorgados para resolver problemas sociais relacionados. No caso do princípio da dignidade, a atribuição da qualidade de ser digno de algo – que implica ter em conta as necessidades, desejos e crenças dos demais – tem por objeto garantir as condições mínimas de uma vida boa e plena, que é, em verdade, o bem maior que podemos esperar. Nisso reside, precisamente, a dimensão intersubjetiva, relacional ou co-existencial da dignidade humana: atuar baixo o suposto implícito de significados outorgados e compartidos em um conjunto de ações coordenadas de condutas recíprocas.

Portanto, o fundamento do direito não está na dignidade abstrata, senão na expressão social de nossa natureza, em nossa individualidade e autonomia, em nossas diferenças, em nossa margem de manobra, em nossa capacidade de pensar e decidir, de relacionar-nos e de sofrer. Longe de ser um princípio puramente abstrato e contrário ou separado a nossa natureza, é esta, nossa natureza, a que dá sentido a idéia de dignidade humana e que deveria condicionar o processo político-legislativo de elaboração do desenho normativo e institucional de nossa sociedade.

E não somente isso: a própria idéia de liberdade – condicio sine qua non para a constituição da dignidade humana – não pode conceber-se à margem da relação com as demais pessoas, pois o modo de ser do homem no mundo é intrinsecamente um modo de ser interpessoal. A autonomia de ser e de fazer que está inscrita na mesma essência do homem e da qual brota a possibilidade de obrar livremente e de forma digna, não pode realizar-se mais que no diálogo e na interação com os demais (com o “outro”) no mundo. Daí a razão pela qual E. Levinas adverte para o fato de que não há liberdade humana que não seja capacidade de sentir a chamada do outro[10]. Não existe uma liberdade lograda e completa que logo, posterior e secundariamente, se veja também revestida de uma dimensão ética. Desde o princípio a liberdade humana se realiza no contexto da chamada que o outro me dirige. A mais íntima essência e a medida da liberdade no homem são a possibilidade e a capacidade de sentir a chamada do outro e de responder-lhe. E desde o momento em que o outro aparece como outro livre e autônomo, nasce também a dimensão ético-jurídica da dignidade, essencialmente co-existencial.

Desde esta perspectiva, o interesse humano pela verdadeira dignidade, como valor prioritário na ordem dos valores, vem a converter-se, desde a idéia da liberdade humana, em um convite a viver humanamente nossa existência a partir do reconhecimento do “outro” como um legítimo outro na realização do ser social, que tanto vive na aceitação e respeito por si mesmo quanto na aceitação e respeito pelo próximo. Um convite de tal magnitude requer seu espaço não somente em nossa vida pessoal como também em nossa cotidiana vida comunitária (e familiar), em nosso Lebensraum, porque supõe um compromisso com o justo em uma sociedade democrática: o compromisso de ter no respeito pela dignidade do “outro” o núcleo central de nossa convivência plural e mundana, de abrir um espaço de interações sociais com o outro e no qual sua presença é (e deve ser) sempre livre e igual. Com efeito, a responsabilidade para com o próximo, que emana de sua mera existência, é uma dimensão necessária para a autodeterminação da autonomia, da liberdade e da dignidade humana.

Assim que a promoção de uma cultura fundada na exaltação da dignidade humana e do respeito pelo próximo somente será possível com o apoio e o desenvolvimento de uma práxis que permita, ademais de situar no humano um valor incondicional, entender, justificar e lutar por uma cultura de liberdade, de igualdade material e de fraterna solidariedade. Isto é, da necessidade não somente de lutar por nossos direitos, mas também de assumir responsavelmente nossos deveres, de respeitarmos (desinteressadamente) o próximo como um fim em si mesmo, de um ardente desejo de compreender e outorgar sentido ao sofrimento humano e de aspirar por uma efetiva e legítima realização da justiça; ou, para dizer em termos mais modestos e realistas: de lutar contra toda e qualquer forma de injustiça.

Entendida assim, a primazia que joga a “dignidade humana” como critério fundante dos valores e princípios contidos na Constituição da República se converte desta maneira em garantia levantada pelo constituinte frente a um perigoso formalismo, como o da igualdade puramente formal. Para evitá-lo, este sistema axiológico-normativo fundado na dignidade humana, impõe que as normas, tanto constitucionais como de outra ordem, sejam criadas, interpretadas e aplicadas de forma que não colidam com os valores e princípios superiores, mas, pelo contrário, promovam sua efetiva realização.

Essa a razão pela qual a melhor doutrina constitucionalista se afirma no sentido de reconhecer o transcendental papel que está chamado a desempenhar, no contexto desse sistema de valores e princípios constitucionais, o princípio do respeito incondicional da dignidade humana. A tais princípios constitucionais se lhes reconhece um caráter normativo e vinculante, por meio dos quais se devem cimentar e promover o desenho de um panorama institucional, normativo e sócio-cultural o mais amigável possível com os traços característicos da natureza humanos e destinados à construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Desta maneira, cumprem também uma função pragmática e dinâmica, permitindo assim a adaptação dos preceitos constitucionais às realidades sociais cambiantes e às características individuais concretas. Em outras palavras, não somente hão de ser considerados parâmetros de constitucionalidade do resto das normas do sistema jurídico, senão também – principalmente tendo em conta seu peculiar talante de modelo ético-político aberto – como meios aptos a aportar valores de cidadania essencialmente úteis para tomar o direito como um instrumento de construção social e, muito particularmente, para equilibrar os desajustes e as injustiças geradas pela dinâmica da desigualdade social.

E porque a desigualdade quebra a comunidade, rompe os laços de fraternidade e desata, de um lado, a cobiça de uns poucos e, de outro, quando não a inveja e o ressentimento, sempre ao menos a frustração, e muitas, muitas vezes, a angústia e o desespero de muitos, estamos firmemente convencidos de que o êxito ou o fracasso da norma constitucional depende em grande medida do modo como as instituições que governam a vida pública sejam capazes de incorporar esta perspectiva da dignidade humana em leis, estratégias (sociais, econômicas e políticas) e decisões jurídicas dirigidas a formular um desenho institucional e normativo que, evitando ou reduzindo as diferenças humanas, permita a cada um conviver (a viver com o outro) na busca de uma humanidade comum. O mesmo é dizer que não se pode falar de dignidade da pessoa humana se isso não se materializa em suas próprias condições materiais de vida, com liberdade e igualdade de oportunidades em uma sociedade fraterna e solidária, no contexto de um conjunto normativo abarrotado de valores e princípios que a asseguram de forma prioritária: combater as desigualdades reais e deixar a vida, na medida do possível, fluir livre e igualitariamente, ou seja, dignamente [11].

Isto implica, depois de tudo, a necessidade da adoção de uma série de medidas dirigidas a melhorar a qualidade de vida de certos grupos considerados desfavorecidos ou fragilizados com o objetivo de equiparar sua situação com a do resto da população não desfavorecida. Uma forma de discriminação positiva cuja finalidade seja a de tratar de diferente forma as distintas situações, em especial se a diferença implica condições sócio-econômicas, biológicas ou culturais desvantajosas; uma política “inclusivista” de que todos os indivíduos têm de contar como um fim em si mesmo (e não como mero instrumentum vocale) e que incorpora já uma sorte de compromisso igualitário. Significa dizer que a comunidade política é requerida não somente para tratar os indivíduos como iguais, senão também para criar as condições necessárias e as possibilidades reais para que essa igualdade material seja ( efetivamente) levada a cabo na “vida vivida”, no presente das coisas presentes, para usar a expressão de Agostinho de Hipona[12].

A Lei Maria da Penha é um claro exemplo desta política, já que ampara somente às mulheres que continuam “privadas de los medios indispensables para el ejercicio de las funciones fundamentales necesarias para una vida realmente humana, que están menos protegidas que los hombres y que son más vulnerables a la violencia física, a la violencia doméstica y a los abusos sexuales”.(M. Nussbaum).

Desigualdade e discriminação positiva

Portanto, parece ser que a solução aos “problemas” a que nos referíamos no início deste artigo (de discriminação e de aparente contradição entre princípios constitucionais) consiste em tratar de alcançar um estado de coisas em que o direito deve ser manipulado de tal maneira que suas conseqüências sejam sempre compatíveis com a maior possibilidade de evitar ou diminuir a desigualdade material entre os indivíduos, isto é, de não se (re) produzir a desigualdade quando seja possível eliminá-la, e que aquela que seja inevitável se minimize e grave com moderação aos membros individuais da sociedade – no caso, às mulheres.

Porque nunca está demais repetir e insistir que falta de liberdade – de decidir, de fazer e ainda de rechaçar e resistir – é o que (ainda) sofrem muitas mulheres submetidas ao marido e todas aquelas desfavorecidas e discriminadas em grande parte de suas cotidianas relações de vida e que, ademais, ainda têm que suportar o estigma social da dependência de valores arcaicos, de crenças descaradamente misóginas e paroquianamente espúrias. Dito de outro modo, até que os “mais desiguais” não sejam liberados de sua miséria e sofrimento, todo e qualquer discurso acerca de cidadania, liberdade, igualdade e dignidade – enfim, sobre justiça – não passará de mera retórica dessorada e vazia de conteúdo.

Isto, por si só, já seria o suficiente para justificar um compromisso mais específico do Estado com relação aos interesses e liberdade desses membros menos favorecidos da sociedade – sem dúvida, o aspecto mais importante da eqüidade – e o rechaço espontâneo e reflexivo da igualdade meramente formal. Do contrário, a persistir as versões tendenciosas, vazias e fragmentadas do princípio da igualdade – cuja gênese e funcionamento cabem situar na história evolutiva própria de nossa espécie -, continuaremos imersos no escuro poço da ignorância humana: “ quando o dedo mostra a lua”, diz um conhecido provérbio, “o imbecil olha para o dedo”. No caso, olha para a “justiça”, em vez de olhar para o que a justiça designa e o que lhe constitui: a liberdade plena e a igualdade material; ou seja, ele se engana sobre a justiça, que o fascina, e desconhece o real e necessário: a dignidade da pessoa humana.

Mas se nada disso for suficiente, talvez não seja nenhum exagero recordar que há poucas coisas mais perigosas e passíveis de perversa manipulação que a “igualdade meramente formal”.

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] A Lei Maria da Penha tem como fundamento expresso o art. 226, § 8º, da Constituição da República, segundo o qual “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”

[2] Nas palavras Martha Nussbaum: “En gran parte del mundo las mujeres están privadas de los medios de sostén indispensables para el ejercicio de las funciones fundamentales necesarias para una vida realmente humana. Están menos alimentadas que los hombres, tienen menor acceso a la salud, son más vulnerables a la violencia física y a los abusos sexuales. Es mucho menos probable que sean escolarizadas, y es todavía menos probable que puedan tener una instrucción técnica o profesional. Si deciden entrar en el mundo del trabajo, deben afrontar obstáculos mayores, entre los que se cuentan la intimidación por parte de la familia o del cónyuge, la discriminación sexual en el momento de la admisión, el acoso sexual en el lugar de trabajo; todo esto, muy a menudo, sin la posibilidad de recurrir eficazmente a la ley. Las más veces, obstáculos de este tipo impiden a las mujeres participar efectivamente en la vida política. En muchos países, no gozan siquiera de plena igualdad ante la ley: no tienen los mismos derechos de propiedad que los hombres, los mismos derechos de estipular contratos, los mismos derechos de asociación, movimiento y libertad religiosa. Asfixiadas a menudo por la doble jornada de trabajo, que suma la fatiga del trabajo externo a la íntegra responsabilidad del trabajo doméstico y del cuidado de los niños, están privadas de la posibilidad de encontrar momentos de ocio en los que cultivar las facultades imaginativas y cognitivas”.

[3] Para começar, diremos que para ser plenamente indivíduo, para gozar de plena existência individual, digna, separada e autônoma, é necessária a liberdade plena. E a liberdade (plena), a exemplo do que ocorre com a individualidade, também não pressupõe a (plena) existência ab initium et ante saecula de indivíduos (plenamente) separados e autônomos, senão que a (plena) existência separada e autônoma desses indivíduos pressupõe a (plena) institucionalização histórico-secular da liberdade. De fato, na vida social tudo é possível : o melhor – se houver – e, desde logo, o pior. Tão é tudo possível na vida social, que até é possível nela a declaração de inexistência individual, o certificado de disfunção social de alguns humanos: a escravidão é a morte do “indivíduo” para todos os efeitos do trâmite social, sua desumanização total por via de redução do sujeito a mero instrumentum vocale , segundo a célebre formulação do direito romano ( ou “instrumento animado” , para usar a expressão de Aristóteles).Para existir como indivíduo separado e autônomo é , pois, e ao menos , necessária a prévia institucionalização da liberdade; é necessário não ser escravo, não ser tratado como um instrumento , senão como um fim em si mesmo – aliás , dito seja de passo, perde-se habitualmente de vista que quando Kant formula a exigência de tratar aos demais como fins em si mesmos, não está dizendo nada radicalmente novo e “moderno”, mas que está repetindo o mesmo que sustentaram todos os filósofos morais e todos os juristas republicanos ao menos desde Aristóteles, ou seja: que aos livres não se lhes pode tratar como escravos , quer dizer, como instrumentos ( “vocais” ou “animados”). Pois bem, o liberalismo entende por liberdade somente a liberdade negativa, e esta é definida de tal maneira que uma pessoa é livre quando está livre de coerção, quer dizer, que não há ninguém nem tampouco uma lei que lhe ponha impedimentos. De liberdade positiva se fala, em câmbio, quando uma pessoa tem a capacidade e a oportunidade de atuar, ou seja, de que o Estado não só deve proteger senão também ajudar o indivíduo, de criar oportunidades para que o indivíduo se possa ajudar a si mesmo. Para citar um exemplo que se encontra em Hayek: no primeiro caso, um montanhês que cai em um abismo do qual é incapaz de sair, é livre neste sentido porque não há ninguém que o impeça de sair; já no caso de liberdade positiva, nosso montanhês precisamente não seria livre neste sentido, se não pode sair, ainda que ninguém o impeça – falta-lhe a capacidade e a oportunidade de atuar. O direito proíbe, por exemplo, matar a outro indivíduo se não é em circunstâncias muito extremas, e isso supõe uma restrição óbvia de meus cursos de ação, supõe uma interferência. Mas dita interferência não é arbitrária, senão que precisamente está justificada pela proteção geral da liberdade dos cidadãos, assim que não pode implicar uma violação de minha liberdade mais que em um sentido muito primário. No mesmo sentido, seguramente não seríamos verdadeiros cidadãos se o direito consentisse a alienação de nossa liberdade, se, ponhamos o caso, reconhecesse validez pública a um contrato civil privado, livremente subscrito – coacti volunt –, por meio do qual uma das partes se vendesse a outra na qualidade de escrava, participando do preço. Há direitos de todo ponto inalienáveis, como o direito a não ser “objeto” ou propriedade de outro. E são inalienáveis, porque não são direitos puramente instrumentais, senão direitos constitutivos do homem mesmo como âmbito de vontade soberana: direitos que habilitam publicamente a existência de in-divíduos dignos, separados, livres e autônomos. Certamente que o fato de que a lei limite nossa capacidade de eleição, proibindo a alienação voluntária da própria liberdade é uma interferência. Mas bem sabemos que não nos molestam as interferências como tais, senão somente as interferências arbitrárias. As interferências legais não arbitrárias não somente não diminuem ou restringe em nada a liberdade, senão que a protegem e ainda a aumentam, como claramente se pode constatar nos exemplos aqui mencionados e na própria Lei n. 11.340/2006. Sem inalienabilidade legal da própria pessoa – para seguirmos no exemplo dado- , não há liberdade, nem há dignidade, e nem, se bem observado, existências políticas individuais, autônomas e separadas. Trata-se, em síntese, de uma concepção robusta de liberdade, aqui entendida em seu sentido republicano-democrático, como “não interferência arbitrária”, ou seja, como um aparato histórico-institucional que imponha ao Estado a obrigação de assegurar e de promover a liberdade necessária para que o indivíduo possa autoconstituir-se como entidade separada e autônoma, e que, em igual medida, garanta ao mesmo plena capacidade para resistir à interferência arbitrária não somente do próprio Estado, mas também de si mesmo e de todos os demais agentes sociais. Voltaremos a esta questão mais adiante.

[4] O que realmente conta, no que concerne à liberdade, é a autonomia. E a autonomia é essencialmente uma questão de se somos ativos e não passivos em nossos motivos e eleições; de se, com independência do modo em que os adquirimos, são motivos e eleições que realmente queremos e que, portanto, não nos são alheios ou impostos por outros (H. Frankfurt).

[5] Note-se, neste particular, que tanto em situações experimentais como de observação, já se demonstrou que o objetivo da justiça baseado na igualdade é capaz de anular quaisquer outras considerações contrapostas. Inclusive o princípio básico do comportamento humano que consiste em maximizar o próprio benefício é rechaçado em favor de maximizar uma distribuição equitativa (um princípio da igualdade). Alguns estudos indicam que, ademais de sentirem-se desgraçadas quando obtêm menos do que crêem que merecem, as pessoas se sentem verdadeiramente incômodas quando obtém mais do que merecem ou quando outras pessoas obtêm mais ou menos do que merecem. Em síntese, dado um conjunto determinado de condições qualificativas, as pessoas sempre tratarão de atuar de uma maneira que pareça justa, quer dizer, igualitária (Clayton e Lerner).

[6] Nesse sentido, basta a literatura antropológica para demonstrar que há uma notável coerência intercultural nas diferenças sexuais ( que se estendem ao temperamento e ao comportamento) entre homens e mulheres; e as literaturas biológica e psicológica também estão repletas de dados que revelam fortes diferenças entre os sexos . Para dizer rápido e objetivamente, em termos evolutivos as mulheres são idênticas aos homens na maioria dos aspectos. Diferem – o que exclui a possibilidade de que sejam melhores ou piores – naqueles campos em que se enfrentaram de forma continuada a problemas adaptativos diferentes durante a larga evolução humana (as mulheres diferem em suas preferências e estratégicas sexuais, por exemplo). E porque sem essas diferenças provavelmente não teríamos sido capazes de sobreviver nas savanas, é razoável inferir que desenvolvemos diferentes corpos e mentes para combinar com o modo de vida de cada sexo. Sobre a questão da desigualdade sexual pode-se ver, desde distintas perspectivas científicas: Browne; Daly e Wilson; Wright; Baron-Cohen; Brizendine.

[7] Por exemplo, Brosnan e De Waal indicaram mediante um experimento muito elegante como os monos capuchinos (macaco-prego) dispõem de um sentido agudo da justiça. Em condições experimentais, aprendem a intercambiar fichas por comida com seus cuidadores humanos, mas se negam a fazê-lo se o trato oferecido é pior do que aquele com que se brinda a outro mono cujo intercâmbio é por ele contemplado e avaliado . Este descobrimento de que os monos capuchinos estão dispostos a intercambiar fichas por comida, mas somente quando o trato é similar ao que se dá a outros indivíduos do grupo abre, sem dúvida alguma, um amplo campo de possibilidades que podem vir a confirmar o fato de que o princípio da igualdade evoluiu a partir de determinadas intuições e emoções morais inatas que compartimos com nossos ancestrais primatas. Depois, já se encontraram algumas evidências etológicas no sentido de que o castigo retributivo encontra-se inserido no mais profundo de nosso desenvolvimento evolutivo (Brosnan e de Wall, Fehr et al.). Uma hipótese plausível sustenta que o retributivismo igualitário foi uma ferramenta útil para a manutenção da ordem social durante a evolução, com o que certos mecanismos psicológicos que o sustentam puderam haver sido fixados no transcurso da mesma (Clark).

[8] Segundo Pinker, todo mundo tem uma teoria sobre a natureza humana. Todos temos de prever o comportamento dos demais, o qual significa que todos necessitamos umas teorias sobre o que é o que move às pessoas a adotar determinadas condutas. Uma teoria tácita da natureza humana – segundo a qual o comportamento é causado por pensamentos e emoções dos causantes da conduta- é ínsita ao modo como concebemos a pessoa. Damos corpo a esta teoria analisando nossa mente e supondo que nossos semelhantes são como nós, assim como observando o comportamento das pessoas e formulando generalizações. Ademais, também absorvemos outras idéias de nosso ambiente intelectual: da experiência dos expertos e da sabedoria convencional do momento. Nossa teoria sobre a natureza humana é a fonte de grande parte do que ocorre em nossa vida. A ela nos remitimos quando queremos convencer ou ameaçar, informar ou enganar. Aconselha-nos sobre como manter vivo nosso matrimônio, educar aos filhos e controlar nossa própria conduta. Seus supostos sobre a aprendizagem condicionam nossa política educativa; seus supostos sobre a motivação dirigem as políticas sobre economia, justiça e delinquência. E dado que delimita aquilo que as pessoas podem alcançar facilmente , aquilo que podem conseguir somente com sacrifício ou sofrimento, e aquilo que não podem obter de modo algum, afeta a nossos valores: aquilo pelo que pensamos que podemos lutar razoavelmente como indivíduos e como sociedade. As teorias opostas da natureza humana se entrelaçam em diferentes maneiras de viver e em diferentes sistemas políticos, e tem sido causa de grandes conflitos ao longo da história. Por exemplo, se um indivíduo toma sua mulher como uma pessoa “corrupta” e “caída”, incapaz de ter bons desejos e de atuar de acordo com estes, seguramente será um marido aberrantemente desconfiado, ferinamente vigilante e desnaturadamente repressor ou agressivo ( e com este caráter desenhará as micronormas que regerão este tipo de relação familiar); ao contrário, se parte da premissa de que sua mulher é capaz de eleger seus desejos, de aspirar por si mesma ao bem, de automodelar-se e de atuar segundo essa aspiração (como deve ser!), seguramente será um marido muito mais confiante, tolerante e infinitamente menos vigilante (e as micronormas que regerão essa relação terão um caráter de todo distinto das anteriores). Quando passamos de fatos específicos de indivíduos a generalizações acerca de grupos de indivíduos, a assunção de uma das premissas acima referidas passa a fazer uma abissal diferença quando do desenho do conjunto normativo que regulará as relações jurídicas (nas quais subjazem os vínculos sociais relacionais). (Atahualpa Fernandez).

[9] Tampouco é demasiado insistir no fato de que resulta epistemologicamente insustentável a posição dos que postulam uma dignidade humana de certo tipo com independência de qualquer informação empírica sobre a natureza humana e meramente como condição transcendental da possibilidade da moralidade, da responsabilidade, da sociedade igualitária ou da liberdade. Seja como for, palavras como “dignidade”, ainda que privada de conteúdo semântico, provocam secreção de adrenalina em determinados juristas acadêmicos e inclinados à retórica. Resulta inclusive muito difícil aceitar a própria noção kantiana da dignidade humana. E a razão consiste em que tal noção obriga a aceitar uma forma de dualismo de duvidosa cientificidade: que há um reino da liberdade humana paralelo e independente ao reino da natureza e não condicionado por este.Para mais detalhes, cfr. Atahualpa Fernandez.

[10] E não é apenas o fato de que “todos nós precisarmos” do outro. Trabalhos recentes mostram que precisamos interagir com os outros; precisamos dar e receber; precisamos pertencer ( Baumeister e Leary; Brown et. al.; Habermas). Sêneca tinha razão : “Ninguém que vê apenas a si mesmo e transforma tudo em uma questão de sua própria utilidade é capaz de viver feliz”. John Donne também tinha razão: precisamos dos outros para completar-nos. Somos uma espécie ultra-social, cheia de emoções firmemente sintonizadas para amar, oferecer amizade, ajudar, compartilhar e entrelaçar nossas vidas à de outros, ainda que o apego e os relacionamentos possam provocar-nos dor. Se, como disse um dos personagens de Sartre, “o inferno são os outros”, o paraíso também o é. (Haidt; Atahualpa Fernandez). Nossos corpos, nosso cérebro e nossas mentes não estão desenhados para viver em ausência de outros: a atividade psicológica e neuronal humana não ocorre de forma isolada, senão que está intimamente conectada a – e se vê afetada por – os demais seres humanos .

[11] Tentando definir o que significa “ser de esquerda”, assim se manifesta Peter Singer : “Tomar consciência da imensa quantidade de dor e sofrimento que há em nosso universo, assim como do desejo de fazer algo para reluzi-la (…) isso, creio eu, consiste a esquerda (…) – ou seja – é essencial para qualquer esquerda autêntica. Se nos encolhemos de ombros ante o sofrimento evitável dos débeis e dos pobres, dos que estão sendo explorados e despojados, ou dos que simplesmente não têm nada para levar uma vida decente, não formamos parte da esquerda. Se dizemos que o mundo sempre foi e será assim, pelo que não se pode fazer nada, então não formamos parte da esquerda. A esquerda (ao seguir o imperativo de reduzir o sofrimento) quer fazer algo por cambiar esta situação”.

[12] O objetivo, recorda N. Chomsky, deve ser sempre o de intentar criar a visão de uma sociedade donde impere a justiça; isto significa criar uma teoria social humanista baseada, na medida do possível, em uma concepção humanista e firme da essência humana, ou da natureza humana, quer dizer, de intentar estabelecer as conexões entre um conceito da natureza humana que dê lugar à liberdade e à dignidade, e outras características humanas fundamentais, e uma noção de estrutura social donde estas propriedades possam realizar-se de forma materialmente igualitária e a vida humana adquira um sentido pleno.

FONTE:  Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 5 de maio de 2009

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JUSTIÇA DOS HOMENS NO DIREITO DIVINO

JUSTIÇA DOS HOMENS

Desde os tempos das cavernas o simulacro de criatura humana sempre procurou fazer valer o seu direito. Nessa época prevalecia a lei do mais forte, ou seja, aquilo que fizesse pelo uso da violência ou da força era considerado certo e justo.

A convivência de maior número de pessoas entre si criou famílias, clãs e grupos que entenderam que para uma existência pacífica, havia a necessidade de estatuir usos e costumes que deviam ser respeitados. Surgia então, o Direito Consuetudinário.

A partir desse direito a justiça era aplicada e todos aqueles que ofendiam o rei, os deuses ou as tradições eram sumariamente castigados. Não havia apelação, ou seja, não se podia reclamar para uma autoridade maior.

À medida que a população crescia as cidades também ficava maiores, como conseqüência. Urgia a criação de leis mais específicas, pois as relações humanas tornaram-se complexas. Coube então, aos romanos a sua codificação e promulgação para conhecimento de todos.

Com a ruína do Império Romano, enfraqueceu-se também a sua estrutura jurídica. Parte da humanidade conheceu o período negro do Santo Ofício da Inquisição, cujas leis baseavam-se nos costumes germânicos. Em nome do Criador perpetuaram-se crimes horrendos.

A Justiça humana somente recobrou seu fôlego quando da instituição nacional e autônoma com a formação dos modernos Estados centralizados, ou seja, a organização da justiça incorporou-se às funções do Estado. Objetivo fundamental das leis: visavam a proteger (sic) o Estado e os direitos dos cidadãos.

Cumpre observar que a justiça praticada ao longo dos séculos – desde os primeiros trogloditas até aos dias hodiernos – sempre esteve mais inclinada para os homens de leis do que para os homens do povo.

As barbaridades impetradas à humanidade com todos os corolários de guerras, fome, insatisfação na educação, na saúde e na habitação são provas incontestes que não podemos negar. Muitas e repetidas vezes a própria justiça aplica a seguinte máxima: casa de ferreiro, espeto de pau.

O conto a seguir mostra-nos uma pálida idéia de como teria surgido o governo ou o “estado de direito”: “Dois homens andavam pela beira da praia, na maré baixa, quando viram uma ostra. Os dois abaixaram-se ao mesmo tempo para pegá-la. Cada um puxava para um lado, e assim começou a disputa.

Vinha passando um viajante, e os dois resolveram lhe perguntar qual deles tinha mais direito a comer a ostra. Enquanto contavam suas versões, o viajante gravemente sacou da faca, abriu a concha e soltou a ostra.

Quando os dois terminaram e ficaram aguardando sua decisão, sempre muito grave, ele engoliu a ostra e deu a cada um, metade da concha. – A corte – disse – dispõe para cada um metade da concha encontrada. A ostra cobrirá as custas”.

Moral da história: desde então, a humanidade carrega nas costas, mais impostos, tributos e menos contribuições de melhoria.

Richard Zajaczkowski

DIREITO DIVINO

O direito divino se chama assim porque é promulgado pela divindade. E efetivamente é em parte das coisas que são naturalmente justas. Contudo, sua justiça não é manifesta aos homens. Em parte é das coisas que se tornam justas por instituição divina. Daí se deduz que também o direito divino pode se dividir em dois, como o direito humano. Há, pois na lei divina algumas coisas mandadas por ser boas e proibidas por ser más; outras boas porque são mandadas e más por ser proibidas.

O direito divino não é direito natural, já que ultrapassa a natureza humana; e igualmente, tampouco é direito positivo, pois não se apóia na autoridade humana, mas na divina. Portanto o direito se divide incompletamente em direito natural e direito positivo.

Como já se disse, o direito se divide em natural e positivo. Mas o direito de gentes não é direito positivo, já que as nações nunca se reuniram para, de comum acordo, estabelecer algo. Logo o direito de gentes é direito natural.

O que é natural em um ser que tem natureza imutável deve ser assim sempre e em todas as partes. Mas a natureza do homem é mutável. Por isso o que é natural no homem pode falhar às vezes. Por exemplo, por justiça natural se deveria devolver o depósito ao depositante; se a natureza humana fosse sempre reta, isto deveria se observar sempre. Mas como a vontade do homem se perverte às vezes, há alguns casos em que o depósito não deve ser devolvido, para que um homem com vontade perversa não o utilize mal, como, por exemplo, se um louco ou um inimigo do Estado exige as armas depositadas.

A vontade humana, de comum acordo, pode converter em justo algo que por si não tem nenhuma oposição à justiça natural. Daí que o Filósofo diga, em V Ethicque justo legal é o que em princípio nada exige que seja de um modo ou outro; mas uma vez estabelecido, deve sim ser de um modo. Mas se algo por si mesmo se opõe ao direito natural, não pode tornar-se justo por vontade humana; por exemplo, caso se estabelecesse que fosse lícito roubar ou cometer adultério. Por isso exclama Is 10,1: Ai dos que promulgam leis iníquas!

Além disso, a justiça submete principalmente o homem a Deus; pois diz Agostinho, no livro De mor. Eccl. Cathol, que a justiça é um amor que só serve a Deus e, por isso, rege bem as outras coisas que estão submetidas ao homem. Mas o direito não pertence às coisas divinas, e somente às humanas, como afirma Isidoro, nas Etymol, que o sagrado é lei divina: pelo contrário, o direito é lei humana. Por isso, o direito não é objeto da justiça

Como a justiça supõe igualdade e a Deus não podemos retribuir eqüitativamente, se deduz que não podemos dar a Deus o justo, em sentido estrito; e, por esse motivo, a lei divina não se chama propriamente direito, mas norma sagrada, porque a Deus basta que cumpramos o que nos é possível. A justiça, pelo contrário, tende a que o homem, na medida do possível, renda tributo a Deus, submetendo-lhe totalmente sua alma. (A Justiça, Suma Teológica II-II, q. 57).

Assim, temos a Justiça do Direito Divino: …”Acaso Deus falseia o direito? Falseia o Todo poderoso a Justiça? Se teus filhos pecaram contra ele, ao poder de seu crime os entregou”. No entanto,… ”Tu, se tu buscares a Deus, se ao Poderoso suplicares, se fores integro e reto, decerto sobre ti há de velar e em tua justiça te restaurará. Sei que as coisas são assim. Pode o homem obter justiça contra Deus? Quando contra ele se quer argüir, de mil palavras, uma não responde! Rico em Sabedoria ou talhado em força, quem o enfrentou e ficou imune?

Olha Deus não rejeita o homem íntegro, nem dá apoio aos malfeitores. Então: Recorrer à força! Mas o Poder é Ele? Apelar ao direito? Quem me citará? Mesmo sendo eu justo minha boca me condenaria; inocente, ele me provaria perverso. Sou inocente? Nem eu mesmo o sei! Quando um flagelo faz irromper a morte, Ele se ri da aflição dos homens íntegros. Uma terra foi entregue aos celerados? Ele cobre a face de seus juízes… Se não Ele, quem então?

Escutai-me homens insensatos! – Será Deus acaso mau? Pérfido, o Poderoso? – Pensamento abominável! Pois retribui ao homem segundo suas obras e trata cada um segundo sua conduta. Em verdade, Deus não age com malícia; o Todo Poderoso, Deus Yahveh, não viola o Direito. (Bispo Eparca Kyrillos, TEB, Pesquisa Doutrinária).

O DIREITO DIVINO COMO FONTE DO DIREITO POSITIVO

A primeira atitude compreensiva do Direito Positivo como um “sistema de normas genéricas, rígidas e imutáveis que conteriam a própria justiça” vincula esse entendimento à crença de que o Direito legislativo, escrito, posto e imposto aos cidadãos seria derivado de um outro direito, eterno, não escrito, mas inscrito na consciência de cada pessoa, de cada cidadão.

Segundo essa tradição pedagógica, seria Deus a fonte original desse Direito eterno, imutável, absolutamente correto, justo e perfeito. Ele criou todas as coisas, todos os seres e é responsável pela ordem natural das coisas por ele criadas, inclusive e principalmente pela sociedade humana. Haveria uma ordenação divina na natureza por ele engendrada.

Deus teria criado todos os seres e os ordenado dentro de uma teleologia, de uma finalidade. Os animais, aves e peixes reger-se-iam pela força inerente do instinto, os homens pela razão natural, pela consciência ética que os permite pensar nas conseqüências da ação, antes de praticá-la e assim, questionar o sentido e a justeza da conduta presente e futura.

Deus, deliberadamente, fez do homem o ser de maior excelência dentre os de sua criação. Legislou uma lei moral, sancionou-a e a colocou dentro de cada homem.  Só o homem tem sintonia com a lei divina, com sua vontade suprema e sumamente justa.

È por isso, (por ter dentro de si um legado legislativo divino indicador do bem), que o homem é um animal especial: político e ético, capaz de criar normas de conduta que visem à consecução da ordem, da paz e da felicidade de todos.

Seguindo sua consciência moral (que originalmente participa da vontade divina e assim está inscrita na subjetividade do agente) o homem teria toda a possibilidade de elaborar legislativamente um Direito Positivo correto e justo.

Bastaria seguir os ditames internos da eticidade, observar a justeza da criação divina, onde cada coisa estaria disposta e proposta à realização de sua finalidade, de seu projeto intrínseco e original.

A verdadeira justiça, absoluta e inalcançável é a Lex dei ou Lei de Deus, que significa a realização de sua vontade. Esse Direito divino original e essencialmente justo seria em tese inalcançável pelo homem, mas poderia ser seguido como modelo para sua criação positiva se o homem refletisse nesse projeto criativo a partir de sua consciência moral (que é uma presença de Deus na sua criação maior) e observasse na lex naturalis ou physis o senso de medida e de proporção das coisas criadas, sua ordenação e adequação a uma finalidade.

Há, pois uma gradação: a lei excelsa ou divina, perfeita, justa e absoluta que a tudo cria e ordena; a Lex naturalis (derivada da vontade criadora), materializada no mundo sensível e organizadora do Kosmos e de suas relações legais de equilíbrio e força, um especulum empírico da ordem espiritual. E finalmente a de menor gradação e valor, a lei positiva ou terrena, concretizada no fazer legislativo e quase sempre dirigida por interesses mundanos garantidores de poder, dominação e gozo de prazeres. (Págs. 21-23; Tetralogia do Direito Natural – Oscar D’Alva e Souza Filho).

…”O Homem pode, pois, por um direito natural de origem e vontade divinas, dispor dos outros reinos da natureza, mas não pode abusar deles, deve manter o equilíbrio sob pena de ver instaurado o caos, o desequilíbrio ecológico, a fome, a sua própria desgraça”. (Pág. 25, L, 3-7, Tetralogia do Direito Natural, Oscar d’Alva e Souza Filho).

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A Justiça de Deus quando há julgamento

A Justiça de Deus só quando há julgamento é revelada

Duras são as vossas palavras contra mim, declara o Senhor Deus, e dizeis: “Que dissemos contra vós”? Dizeis: “É inútil servir a Deus; que proveito se tem em guardar suas ordenanças e ter andado de luto diante do Senhor Deus, Yahveh de todo poder? Agora nós devemos declarar felizes os arrogantes. E até prosperam os que praticam o mal; se tentam a Deus, ainda escapam.” Assim se entretêm os que temem o Senhor.

Nota: Esta passagem expõe a confusão dos justos e fiéis diante do que aparenta ser uma injustiça de Deus no que parece favorecer aos orgulhosos e arrogantes. No entanto, não aprovando seus atos contra a Lei e a Justiça, na sua imensa misericórdia e tolerância para com o que se perdem, os acolhe na sua longanimidade.

O Senhor Deus, Yahveh, porém, prestou atenção e ouviu. Um memorial foi escrito diante dele para lembrar os que temem o senhor e que adoram seu nome.

Ref.: “Nela não entrará nada impuro, nem quem pratique abominação e a mentira, mas unicamente os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro. Lá haverá uma estrada, um caminho e caminho santo e sagrado chamá-lo-ão. O impuro não passará por ele, pois o próprio Senhor Deus, Yahveh, abrirá o caminho e os insensatos não vaguearão por ele.”

Na operação da sua Justiça nosso Deus, o Deus de Israel, o Senhor de todo poder diz:

No dia que estou preparando eles pertencerão a mim como minha parte pessoal. Eu os pouparei como um pai poupa seu filho que o serve. Então, na minha justiça, voltareis a ver a diferença entre o justo e o ímpio, entre o que serve a Deus e aquele que não o serve. Pois vem o dia ardente como a fornalha. Todos os arrogantes e os que praticam o mal não passarão de palha. O dia que vem os consumirá, diz o Senhor de todo poder. Ele não lhes deixará nem raízes nem ramos. Para vós que temeis meu nome, levantar-se-á o sol da Justiça de Deus, trazendo a cura em seus raios. Saireis e pulareis como bezerros na pastagem. Calcareis os maus, que serão como cinza debaixo da planta de vossos pés, neste dia que estou preparando diz o Senhor de todo poder.

E assim diz o Senhor Deus, Yahveh de todo poder:

Lembrai-vos da Lei de Moisés, meu servo, a quem, no Horeb, dei leis e costumes para todo Israel. Eis que vou enviar-vos Elias, o Profeta, antes que venha o dia do Senhor, o grande e terrível dia. Ele reconduzirá o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais, a fim de que eu não venha para ferir a terra com o interdito numa completa destruição.

Ref.: “Escutai a palavra do Senhor Yahveh, Deus de Justiça, filhos de Israel: O Senhor, Deus Todo Poderoso, move Processo contra os habitantes da terra, pois não há sinceridade, nem amor ao próximo, nem conhecimento de Deus na terra. Multiplicam-se imprecações, mentiras, assassinatos, roubos, adultérios onde  sangue derramado segue-se a sangue derramado.

Nota: O pecado do homem repercute no conjunto social humanitário dentro da estrutura de toda a Criação, assim como a conversão a Deus, no abandono do pecado, na conciliação com o próximo, na reparação dos erros, faz com que todas as criaturas tenham parte nos benefícios da restauração como um ato solidário entre o homem e toda a Criação. Assim, o homem (macho e fêmea) constrói quando ama e destrói quando odeia, pois só o Amor constrói todas as coisas, uma vez que o verdadeiro amor acredita na recuperação e restauração do que se havia perdido e foi encontrado, querendo voltar para começar de novo. A Lei e a Justiça em Julgamento são para os transgressores que ainda não acreditam no poder do Perfeito Amor: Amar porque é amor, tem amor, vive amor, dar amor, faz amor existir onde quer que esteja, pois não depende de ser amado para manifestar o amor que em seu Ser é Vida com Deus, em Deus e para Deus na compreensão do Filho, Jesus como a maior prova do Amor Perfeito de um Pai que ama verdadeiramente, seus filhos e, quer, espera todos os dias que aprendam a amá-lo como ele os tem amado.

  • Bispo Eparca Kyrillos, juiz de Direito Arbitral Eclesiástico.

 

 

 

 

 

 

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Dr. Kyrillos, Juiz de Direito Arbitral Eclesiástico

The Bishop Eparch Kyrillos

Quem sou eu

Dr. Kyrillos Raimundo Alves

Juíz de Direito Arbitral Eclesiástico

Fortaleza – Ceará – Brazil

Licenciado em Pedagogia – UEVA; Curso Superior de Filosofia – Seminário Maior; Bacharelado em Teologia – Seminário Diocesano; pela FATAI – Faculdade de Teologia Antioquia Internacional (Antioch Christian University and Theological Seminary, Inc.); http://www.seminarioantioquia.com.br/-Mestrado em Teologia; Doutorado(Th.D) em Teologia; Doutorado(Ph.D) Filosofia; Na http://www.hodu.edu.gr/- H.O.D.U.;Doutorado (JCD) em Direito Canônico: e D.D.; Cursos de Formação de Juiz Arbitral; Práticas Forenses – Fórum, no Superior Tribunal de Justiça Arbitral do Estado do Ceará-STJA-CE; Curso de Extensão em Mediação e Arbitragem; Graduando em Direito Privado na Universidade de Fortaleza – UNIFOR. http://www.unifor.br/.

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LEI MARIA DA PENHA APLICADA EM FAVOR DO HOMEM I

Desde os primórdios de nossa existência e até a criação da Lei 11.340/2006, nenhuma lei especifica referente a coibir a violência doméstica existia. Apesar da gravidade de tais problemas, ocorreram a respeito do assunto em pauta alguns avanços legais, que antecederam essa Lei especifica, os mesmos foram tímidos, como nos mostra a doutrinadora Maria Berenice Dias:

                                                   

“A Lei 10.455, de 2002, criou uma medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência domestica.

Já a lei 10.886, de 2004, acrescentou um subtipo à lesão corporal leve, decorrente de violência domestica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção. Nenhuma das mudanças empolgou! A violência domestica continuou acumulando estatística Isto porque a questão continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal e sob a incidência dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995. As alterações legislativas foram praticamente inócuas, pois como crime de menor potencial ofensivo, ficava dispensado o flagrante se o autor se comprometesse a comparecer no Juizado Especial Criminal. Além disso, era possível a transação penal, a concessão de sursis (Lei 9.099/1995, art. 89), a aplicação das penas restritivas de direito, e, se a lesão fosse leve, a ação dependia de representação (Lei 9.099/1995, art. 88)”1

                                                                                                                                                                              

A Lei Maria da Penha ficou conhecida com este nome devido ao caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vitima de tentativa de homicídio por duas vezes, sendo que quem atentou com sua vida foi seu próprio esposo, o colombiano Heredias Viveiros. Em 29 de maio de 1983, o Sr. Heredias simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda, sendo que o mesmo atirou contra as costas de sua esposa deixando-a paraplégica. Duas semanas após o atentado, Penha sofreu nova tentativa de assassinato por parte de seu marido, que desta vez tentou eletrocutá-la durante o banho, foi ai que a Sra. Maria da Penha tomou a decisão de separar-se de seu agressor. Mais tarde foi apurado que o agressor havia premeditado a morte de sua esposa, pois semanas antes da agressão tentou convencê-la a fazer um seguro de vida em seu favor e cinco dias antes a obrigou a assinar o documento de venda de seu carro sem que constasse no referido documento o nome do comprador.

Na vida, as mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, em sua maioria são submissas, assim como a História nos mostra em diversas civilizações as quais antecederam a nossa. No lar, tradicionalmente, não se reconhecia a mulher como alguém que poderia ter vontade própria e até mesmo objetivos de vida. Por muitos anos em nossa cultura ela foi vista como um objeto, uma empregada, um animal submisso, o qual era exclusivo para prestar ao homem alimentação no horário esperado, comodidade em seu lar e dar carinho nas horas em que ele a procurava. A dominação masculina sobre o sexo feminino no seio familiar reproduz a dominação do homem na sociedade, na escola, no trabalho, na Igreja, no Estado, porém ainda hoje algumas pessoas utilizam este modelo de “família”.

A referida lei teve sua vinda para que o homem, considerado mais forte e por isso merecendo maior punição por seus atos, fosse punido com mais severidade pelos maus-tratos utilizados no seio familiar contra sua companheira. A lei considera como vítima a companheira, filha, mãe, avó, namorada, agregada ou até mesmo uma empregada doméstica que conviva como se da família fosse e, seu agressor pode ser de ambos os sexos, só necessita do vinculo familiar com a vítima. Vejamos agora um histórico jurídico das leis que antecederam o referido assunto:

 

“A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, originou-se no Projeto de Lei de Conversão nº 37/2006: o qual tem como antecedente o Projeto de lei nº 4.559/2004 do Poder Executivo, elaborado por Grupo de Trabalhos Interministerial a partir de um anteprojeto apresentado por organizações não-governamentais

O caminho para a lei em testilha iniciou-se nos idos de 1984, quando o Estado Brasileiro ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher e participou da Convenção Interamericana para Prevenir, Punirmos e Erradicar a Violência contra a Mulher, a qual foi conclusiva, na cidade de Belém do Pará. A ratificação pelo Governo deu-se mais adiante.

Na justificativa preambular da Lei são invocados o parágrafo 8º do artigo 226 da Lei Maior; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, bem como outros tratados internacionais, ratificados pela República Federativa do Brasil, relativos à matéria.” (FILHO. pags 25, 36. 2007)2

 

Como já dito anteriormente não se pode negar o fator cultural em que nossa sociedade tomou como “normal” o homem é considerado como mais forte e dominante fator este, que muitas vezes é utilizado para a defesa da constitucionalidade da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Maria da Penha. Porém o agressor não necessariamente sera um homem quando o assunto é violência doméstica. A Lei Maria da Penha tem sua constitucionalidade discutida, pois, se homens e mulheres tem o direito de igualdade resguardado na Constituição Federal, a nossa “Lei Maior”, como se pode então ter uma lei versando definido assunto, mas que defende somente uma das partes? O direito igualitário entre homens e mulheres vem resguardado desde a Constituição Republicana de 1981, como nos ensina Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva em seu livro Principio Constitucional da Igualdade:

 

“É na primeira Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1981, que se fez introduzir o principio da isonomia, em nosso ordenamento, já como simples vedação formal a privilégios individuais (sendo que muito pouco foi acrescido a tal contorno, que ainda se mantém com limites rígidos, como mais adiante se verificara).

Estabelecia, então, o § 2ºª, do art 72:

Todos são iguais perante a lei. A Republica não admite privilégio de nascimento, desconhece ônus de nobreza, e extingue as ordens honorificas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho.

Ora, a extensão dada ao preceito teve por parâmetro a própria literalidade do texto constitucional, como evidenciam os dois mais ilustres comentadores da Primeira Carta, João Barbalho e Carlos Maximiliano, que foram unanimes em acordar no sentido meramente formal daquela, então recém-adotada norma de igualdade.

Daí afirmar Siqueira de Castro (1979: 89) que a regra de que todos são iguais perante a lei, traduz segundo sua origem histórica mais genuína, a exigência da simples igualdade formal entre os sujeitos de direito, proibindo que se crie tratamento jurídico diverso para as idênticas situações de fato. Isto é, foi na esteira do entendimento formal, de raízes liberais, fiel as mais legitimas tradições franco-anglo-americanas, que o constitucionalismo brasileiro delineou o alcance de nossa regra de isonomia.”3

 

Como se pode perceber, tal principio (igualdade entre homens e mulheres) encontra-se resguardado anteriormente a nossa atual Constituição Federal, que em seu artigo 5º caput e inciso I nos deixa claro que a igualdade entre homens e mulheres é direito constitucional e clausula pétrea, sendo então uma afronta ao nosso direito maior o preconceito de gênero, Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel nos auxilia neste entendimento:

 

“O princípio da igualdade é consagrado nas Constituições brasileiras desde o Império, como princípio da igualdade perante a lei. Significa dizer que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta distinções. A prescrição contida no caput do art. 5° da Constituição de 1988 mantém a tradição constitucional quanto ao princípio da igualdade, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…).”

Além de inaugurar o capítulo dos direitos individuais com o princípio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a Constituição reafirma esse princípio por meio de muitas normas, algumas diretamente determinadoras da igualdade, outras buscando a equidade entre os desiguais mediante a concessão de direitos sociais fundamentais. Assim é que, já no mesmo art. 5°, I, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Depois, no art. 7°, XXX e XXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.” ( José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo, 10a. edição revista, p.207 )”4 

No que diz com o sujeito passivo, há a exigência de uma qualidade especial: ser mulher. Nesse conceito encontram-se as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com sexo feminino. A agressão contra elas no âmbito familiar também constitui violência doméstica.”5

 

A Lei Maria da Penha tem sido pauta de muitas discussões, que em sua maioria ligadas a sua constitucionalidade, pois a mesma é muito clara em seu preâmbulo a respeito do gênero defendido por ela. Segundo seu preâmbulo, tal lei “visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,  nos termos do  §  8o do  art. 226 da Constituição Federal,  da Convenção sobre  a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.”

Porém o artigo 226, § 8º da Constituição Federal trata da assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações pelo Estado, não expondo que estes mecanismos são especialmente aplicados em favor da mulher, uma vez que muitos homens também sofrem agressões de suas companheiras A sociedade leva muito em conta que o homem é sexo forte e dominante fator este, que muitas vezes é utilizado por aqueles que defendem a constitucionalidade da referida lei. Sendo assim é hipocrisia basear-se no referido artigo constitucional para defender a defesa exclusiva da mulher, uma vez que, apesar de minoria, muitas delas agridem seus familiares.

Os homens em sua maioria quando agredidos permanecem quietos, algumas vezes por causa dos filhos ou por pena da própria agressora e companheira que em um acesso de fúria, os agride. Esse ataque de fúria em sua maioria ocorre por transtornos hormonais ou extrema paixão, sendo que alguns casos de descontrole levam homens e mulheres a praticar fatalidades com seus companheiros e após suicidar-se. A relação afetiva também conta muito nesses tipos de agressão independentemente do gênero do agressor e da vítima, as agressões em sua maioria se repetem por anos, com um pequeno intervalo seguidos de arrependimento do agressor que faz mil e uma promessas de amor e mudança a vítima.

Maria Berenice Dias em seu livro “A Lei Maria da Penha na Justiça” nos traz um conceito referente há quem são os sujeitos passivos de tal lei:

Como se pode ver a lei defende apenas o gênero feminino, sendo que na citação acima fica claro que a lei é exclusiva para mulheres, ou seja, os homens ficam totalmente desprotegidos. Para Roger Raupp Rios, em seu livro O Principio da Igualdade e a Discriminação por Orientação Sexual, “O principio da igualdade, enquanto mandamento constitucional de igualdade perante a lei, requer a igual aplicação dos direito vigentes sem considerações ou atributos pessoais dos destinatários da norma jurídica

O Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá – MT foi pioneiro na utilização de tal lei por analogia, uma vez que recebeu em seu gabinete um caso em que o homem foi vitima de agressões psicológicas, físicas e financeiras por parte de sua ex-mulher (anexo 1). Essa vítima é uma exceção, pois se sabe que a demanda de homens que procuraram a Justiça por serem vitimas de agressão familiar é mínima. Os homens, na maioria das vezes por vergonha de virar chacota na roda de amigos, na família e no trabalho ocultam a agressão cometida por sua parceira, uma vez que ela pertence ao considerado sexo frágil.

A analogia Consiste em aplicar a um caso que não possui uma lei especifica, uma lei parecida e que podera resguardar os direitos em litigio, não previsto de modo direto por uma norma jurídica, uma norma prevista para um hipótese distinta, mas semelhante ao caso concreto. Aplica-se também o Art. 5º LICC – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Podemos classificar de duas formas a analogia: a primeira como "in bonam partem" que é aquela que não prejudica o agente, não gerando soluções absurdas. A segunda como "in malam partem", é aquela que de alguma forma prejudica o agente, por isso não é admitida no Direito Penal.

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LEI MARIA DA PENHA APLICADA EM FAVOR DO HOMEM II

Após a criação da Lei Maria da Penha as mulheres vítimas de agressão dentro do seio familiar estão protegidas, sendo que ao menor indicio de violência podem chamar a policia para que esta tome as providências contra seu agressor, porém, muitas delas estão aproveitando erroneamente tal poder e o utilizando para intimidar seus companheiros, pois como podemos ver no art 7º da referida lei em estudo, os tipos de violência puníveis são muitos:

“Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

 

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”6

 

Um dos maiores problemas dos agentes que tratam desses mecanismos, sejam eles policiais ou juízes, é a comprovação violência psicológica, pois é muito difícil constatar sua real existência, uma vez que muitos estudos já comprovaram que o dano emocional e a baixa de auto-estima podem ser problemas do próprio cérebro necessitando de tratamento psicológico e não tendo ligação alguma com o meio externo. Considera-se violência psicológica:

 

Ignorar a existência da mulher e criticá-la, inclusive, através de ironias e piadas sexistas/machistas;

Falar mal de seu corpo;

Insinuações de que têm amantes;

Ofensas morais contra a mulher e a sua família;

Humilhação e desonra, inclusive, na frente de outras pessoas;

Desrespeito pelo trabalho da mulher em casa;

Críticas constantes pela sua atuação como mãe;

Uso de linguagem ofensiva em relação à sua pessoa. 7

 

Como se pode perceber, muitas destas situações acontecem serem testemunhas, sendo que a comprovação de tais acontecimentos torna-se impossível, sendo que o que é discutido é a palavra da vitima versus a palavra do agressor. Assim, como as mulheres têm todos os direitos resguardados pela lei 11.340/2006, os homens também sofrem os mesmos tipos de violência, porém a sociedade não é tão sutil com eles.

Apesar de ter uma opinião totalmente favorável a Lei Maria da Penha, a advogada gaúcha Maria Berenice Dias, nos mostra um exemplo de desigualdade de gênero em seu livro A Lei Maria da Penha na Justiça:

 

“A alegação é que, no mesmo contexto fático, a agressão é levada a efeito contra uma pessoa de um sexo ou de outro pode gerar consequências diversas. A hipótese ganha significado a partir do exemplo: na mesma oportunidade, o genitor ocasiona, no âmbito doméstico, lesões leves em um filho e uma filha. Além de haver dois juízos competentes, as ações seguiriam procedimentos distintos. A agressão contra o menino, encontra-se sob a égide do Juizado Especial, fazendo jus ao agressor a todos os benefícios por o delito ser considerado de pequeno potencial ofensivo. Já a agressão contra a filha constituiria delito doméstico no âmbito da Lei Maria da Penha. Assim, parece que a agressão contra alguém do sexo masculino é menos grave do que a cometida contra uma pessoa do sexo feminino. Porém, estando uma das vítimas ao abrigo de lei especial, tal faz deslocar-se a competência para o âmbito do Juizado de Violência Domestica e Familiar contra a Mulher.

Por isso há quem sustente que, quando duas são as vítimas, uma de cada sexo, deve ser aplicada a Lei 9.099/1995, tanto na parte processual como material. Porém, em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995. “Daí a sugestão para que se troque a expressão “violência doméstica ou familiar contra a mulher” por violência doméstica ou familiar contra a pessoa”, respeitando assim o principio da igualdade.” 8

 

Conforme podemos observar no exemplo acima citado, o homem sofre discriminação frente a lei em pauta, como vimos um homem e uma mulher sofrem o mesmo tipo de violência e ela, a mulher, vai possuir muito mais benefícios e seu agressor terá punição mais branda que o agressor do masculino, podendo ser que, se ambos sofrerem a mesma agressão e forem parentes a competência dos autos do homem migraram sua competência para correrem juntamente com os autos da mulher. Contudo se o homem sofre uma agressão igual ou pior que uma mulher, sem a companhia da mesma para figurar como vítima, seu agressor praticamente não terá punição, uma vez que será julgado pelo Juizado Especial (Lei 9.099/1995) por ter cometido um crime de menor potencial ofensivo, independente dos efeitos morais e psicológicos que ficarão para sempre em sua vítima.

Não é necessário modificar a lei, entretanto é necessário que ela se torne um direito de todos, pois a violência familiar não escolhe sexo, idade, cor ou credo. Ela pode ocorrer com qualquer pessoa, e seus resquícios serão levados para o resto da vida da vitima, com feridas na alma que jamais irão cicatrizar. Assim como uma criança que sofre abuso, um adulto também leva para sua vida o trauma de ter sido violentado, seja física, moral ou psicologicamente. Adultos que sofrem agressão no seio familiar tendem a se tornarem violentos, transformando esta agressão em um circulo vicioso. Um pai que foi agredido terá grandes chances de agredir seu filho e/ou companheira.

Convém ressaltar ainda que a lei Maria da Penha possui em seus artigos 22, 23 e 24 medidas protetivas de urgência, as quais resguardam a integridade da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio A Maria da Penha é ação penal pública condicionada a representação da vitima, segundo reconhecido pela Sexta Turma do Supremo Tribunal de Justiça no HC 113.608, ou seja, segundo este entendimento não faz mais sentido o Ministério Público efetuar a denúncia e solicitar a designação da audiência para ouvir a vitima se esta optar pela renuncia. Este foi um grande avanço ao direito, uma vez que o fato de as ações referentes a Lei 11.340/2006 serem publicas incondicionadas contribui para a morosidade judicial, pois segundo a referida lei, a retratação só tem validade de se feita em juízo, na audiência em que se denuncia o acusado.

 

“"A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais. HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 5/3/2009."

No julgamento do HC 106.805 (noticiado no informativo 382), a Sexta Turma do STJ havia reafirmado seu entendimento no sentido de considerar pública incondicionada a ação penal em razão de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Portanto, não se admitia renúncia, retratação, transação, composição dos danos ou suspensão do processo. Fechava-se a porta para qualquer tentativa de conciliação (ou reconciliação). Reinaria o modelo clássico de Justiça conflitiva, sem nenhuma possibilidade (ou qualquer abertura) para o consenso.

No entanto, a questão mostra-se bastante controvertida dentro da própria Sexta Turma do nosso Tribunal da Cidadania.

No julgamento do HC 113.608, objeto do presente Informativo, a Sexta Turma entendeu ser condicionada à representação da vítima a ação

penal nos casos lesão leve praticada contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.

Considerou-se que, sendo a ação condicionada e, conseqüentemente, cabível a retratação da representação, muitos casais terão a chance de se reconciliar.”9

 

Porém se a retratação não for possível, as medidas de urgência têm prioridade, pois visam proteger principalmente a integridade física da vitima, protegendo-a de seu agressor em todos os aspectos. Essas medidas protetivas se mostram necessárias uma vez que elas coíbem o agressor inclusive de aproximar-se da vitima e manter contato com a mesma, até que ela ingresse com uma ação de separação litigiosa, se necessário e possa manter-se longe do agressor. As medidas que obrigam o exclusivamente o agressor estão listadas no artigo 22, como se pode perceber abaixo:

 

“Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

 

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

 

a)  aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

 

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por  qualquer meio de comunicação;

 

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

 

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

 

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

 

§ 2o  Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei  no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de

 

desobediência, conforme o caso.

 

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

 

§ 4o  Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).10

 

Cabe ressaltar também, que para que essas medidas cumpram seu efeito é necessário o interesse da vítima, uma vez que em sua maioria, as mulheres pedem tais medidas e dias, ou até mesmo horas após a sua concessão elas procuram o Judiciário para que este efetue a anulação das protetivas de urgência, pois após conversa com o agressor, a mesma ponderou não haver necessidade de continuação do feito. Infelizmente quando isso ocorre, em 70% dos casos, elas voltam a ser vítimas de agressão em tempo recorde, uma vez que quando ocorre prisão em flagrante, ao sair os agressores estão mais agressivos que antes, devido a prisão que segundo os próprios agressores não teria necessidade.

Nesse sentido, pode-se apurar que a lei protege muito mais as mulheres do que os homens, aplicando punição mais pesada que a dos agressores de masculinos. Ai, voltamos a questão já abordada anteriormente, a respeito do principio da igualdade entre homens e mulheres para a aplicação de tal lei. Sua validade não se discute em momento algum, o que se discute é a sua utilização para o bem comum de todos, uma vez que como o magistrado Mário Roberto Kono de Oliveira, ela inicialmente pode ser utilizada para defender homens por analogia, uma vez que ainda se espera a mudança em seu preâmbulo para que esta lei possa abranger e proteger todas as vitimas de violência doméstica no seio familiar.

A Segunda Turma de Recursos do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul já declarou a inconstitucionalidade de tal lei, baseando-se na teoria de que ela infringe os princípios da proporcionalidade e igualdade. Tal turma recursal é unanime na opinião em que a lei é discriminatória, uma vez que a Constituição Federal é clara quando fala na igualdade entre homens e mulheres vedando a discriminação por sexo. Ou seja, a jurisprudência já nos proporciona em seu entendimento discutir a constitucionalidade de tal lei, uma vez que a mesma já diverge em sua opinião do assunto, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul já são favoráveis a declaração da inconstitucionalidade, enquanto quase todos os demais são favoráveis a tal lei, negando provimento aos recursos propostos em favor de sua inconstitucionalidade.

 

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